1 de outubro de 2025
Politica

Infortúnio à espreita

Até há poucos dias, eu não tinha notícia sobre quem fosse Kongjian Yu. Até receber convite do Secretário Marcos Monteiro, da Secretaria de Urbanismo, para um encontro com o arquiteto criador do conceito de “cidade esponja”.

O tema já me interessava. Lamento o trato que nós conferimos à água em nossas cidades. A regra é desprezá-la, é enterrá-la, quando não retificar os seus cursos, ousando “brincar de Deus”.

Precisamos nos civilizar e incorporar a água ao nosso convívio. É o que Yu tem feito no mundo inteiro e missão que o tornou famoso. Aqui em São Paulo, o projeto Hidroviário sob a coordenação do arquiteto Pedro Martin Fernandes, Presidente da SP-Urbanismo, fará aquilo que deixou de ser feito na história secular de Piratininga.

Lá estivemos, com a professora Ana Paula Khoury, docente em pós-graduação no Mackenzie, e nos encantamos com a simpatia e simplicidade do chinês Kongjian Yu, arquiteto paisagista e urbanista que é docente na Universidade de Pequim. Ele fundou a Turenscape, empresa de design especializada em arquitetura paisagística, planejamento urbano e restauração da natureza.

Sua mais famosa criação é a noção de “cidades-esponja”, solução baseada na natureza para gerir a gestão de águas urbanas. Ele é entusiasta, idealista, visionário e influenciou diretamente as políticas públicas na China, depois aplicadas em todo o planeta.

Pedro Fernandes é um admirador da obra e do homem e já propagandeava seus métodos, por acreditar tenham tudo a ver com a realidade paulistana. O prestígio de Yu no concerto das nações é o melhor possível. Michael Sorkin o definiu como “um herói da defesa eficaz dentro de um sistema repleto de perigos”. Sua liderança no urbanismo ecológico e na abordagem construtiva pós-modernista o converteram em herói construtor de uma verdadeira civilização ecológica.

Saímos impressionados da reunião e dispostos a envidar esforços para que a municipalidade paulistana o contratasse para implementar projetos nesta megalópole tão necessitada de inspirado investimento.

Só que “o homem põe e Deus dispõe” ou, o mesmo em outras palavras, “o ser humano planeja e Deus sorri”. Nesta quarta, 23 de setembro, recebemos a infausta notícia de que Yu falecera, vítima de um acidente aéreo na região de Aquidauana, no Mato Grosso do Sul.

Estava em companhia do cineasta que faria um documentário sobre “cidades esponja”, quando o Cessna em que viajava caiu.

Agora é lamentar a perda precoce de Kongjian Yu, nascido em 12 de maio de 1963, na vila de Dongyu, Jinhua, província de Zheijiang, de uma família de agricultores e precocemente falecido em 23 de setembro de 2025, no Brasil. Imagine-se a luta de Yu, bacharel e Mestre em Arquitetura Paisagística pela Universidade Florestal de Pequim, doutor em Design na Escola de Pós-Graduação em Design de Harvard, cuja tese abordou padrões de segurança ecológica em 1995.

Quando retornou à China, em 1997, fundou a Faculdade de Arquitetura e Paisagismo na Universidade de Pequim e chegou a ser Reitor.

Continuou a pesquisar na área de planejamento ecológico, resiliência climática e mitigação de inundações. Foi professor visitante em Harvard entre 2010 e 2015.

Escreveu mais de 300 artigos acadêmicos e 20 livros sobre temas como urbanismo paisagístico, infraestrutura verde e cidades-esponja. Também fundou o periódico Landscape Architecture Frontiers , que explora soluções baseadas na natureza para a resiliência urbana e a empresa Turenscape, com foco em arquitetura paisagística, planejamento urbano, arquitetura e restauração ecológica. Uma das dez mais inovadoras empresas de arquitetura 2021 por “equilibrar a urbanização hiperveloz da China com cidades-esponja verdes”. Sob sua liderança, a Turenscape concluiu mais de 1.000 projetos em mais de 200 cidades, mas – lamentavelmente – não houve tempo para incluir São Paulo na relação das afortunadas urbes que mereceram seu olhar inspirado.

Agora é se debruçar sobre o legado de Yu, acompanhar a continuidade de seu trabalho, procurar fazer o que ele faria numa cidade brasileira impermeabilizada, que não tem intimidade com as águas e que vai sofrer a inclemência dos fenômenos extremos, gerados pela insuficiência de conhecimento que perpetrou infinitos erros em sua história.

O infortúnio está sempre à espreita. Quem diria que Kongjian Yu, tão erudito, tão criativo, tão feliz, tão simpático, viesse morrer em Aquidauana, tão longe da China em que nasceu!

 

 

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