Vereador de SP propõe ceder terreno público para ONG da mãe, e Câmara aprova
O vereador Silvinho Leite (União Brasil) propôs a concessão de um terreno público na zona sul de São Paulo para uma organização não governamental (ONG) presidida por sua própria mãe. A sugestão foi incluída em um projeto de lei sobre a venda de uma travessa nos Jardins, embora haja uma distância de mais de 11 quilômetros entre os locais. O trecho foi aprovado pela Câmara Municipal e integra a versão final do projeto, que aguarda sanção do prefeito Ricardo Nunes (MDB).
A sugestão de Silvinho autoriza a Prefeitura a conceder, pelo prazo de 20 anos, prorrogável por igual período, uma área pública de mais de 600 m² para a Associação Comunitária dos Moradores do Parque Santa Edwirges e Adjacências. A entidade é presidida por Teresa Pereira dos Santos, mãe do vereador. O terreno está localizado próximo à Marginal Pinheiros e à Avenida Washington Luís.

O gabinete de Silvinho afirmou que o vereador não agiu de má-fé ao apresentar o texto para beneficiar a ONG comandada pela mãe. (veja a resposta completa mais abaixo). “Sua propositura visava atender ao interesse público e está imbuída da mais boa-fé”, disse a equipe do vereador, em nota. Teresa Pereira dos Santos foi procurada, mas não se manifestou em nome da associação.
A emenda de Silvinho pegou “carona” em um projeto de lei sobre a venda da Travessa Engenheiro Antônio de Souza Barros Júnior, na região dos Jardins. A Prefeitura de São Paulo pretende alienar a via pública e vendê-la a uma incorporadora interessada na construção de um empreendimento de luxo. O poder público estima arrecadar R$ 16,6 milhões com a operação.
O projeto de lei sobre a venda da travessa foi apresentado pelo Executivo em junho. No mesmo mês, foi aprovado pelas comissões permanentes da Câmara e passou pela primeira votação no plenário. No início de setembro, passou por nova votação, como exige o Regimento Interno da Casa, momento em que recebeu emendas, como são chamadas as sugestões para alterar a redação de um projeto de lei. O projeto foi aprovado por 29 votos favoráveis e 11 contrários.
A emenda de Silvinho não tem relação com o objeto inicial da proposta. A área concedida pela sugestão do vereador está localizada a mais de 11 quilômetros da travessa nos Jardins.
Segundo o projeto aprovado pela Câmara, a Prefeitura está autorizada a conceder um terreno de 646 m² à ONG presidida por Teresa. O lote, localizado na zona sul da capital paulista, está sem uso e não possui edificações.
No final de julho, a associação presidida por Teresa obteve uma autorização da Subprefeitura de Santo Amaro para usar o local por 90 dias. O prazo de uso temporário encerra em 29 de outubro. No entanto, mesmo com a autorização, o terreno permaneceu sem uso.

Teresa está à frente da Associação de Moradores do Parque Santa Edwirges desde 2001, ano de fundação da entidade. A ONG realiza trabalhos sociais com populações em situação de vulnerabilidade, com enfoque na região do Grajaú, no sul da capital paulista. Desde 2013, é assessora do gabinete de Milton Leite Filho (União Brasil) na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp).
Silvinho Leite é um dos apadrinhados do ex-vereador Milton Leite, pai do deputado estadual, na atual legislatura paulistana. Após sete mandatos, o cacique do União Brasil não concorreu nas eleições de 2024, apoiando as candidaturas de Silvinho e Silvão Leite, ambos eleitos. Milton, Silvinho e Silvão não têm laços de parentesco entre si.
O gabinete de Silvinho diz que, apesar da concessão do terreno à associação de Teresa, o projeto social será tocado por mais entidades. A iniciativa será voltada para o atendimento de mães atípicas. Segundo a equipe do parlamentar, Teresa não participou do pedido de concessão do local e a ONG “realiza um trabalho sério e árduo há anos, voltado às questões sociais e ao atendimento dos interesses da população mais vulnerável”.
O vereador argumenta que Teresa estava ciente do risco da parceria com o poder público ser interpretada como conflito de interesses. Em fevereiro, em uma carta às entidades parceiras do projeto, a presidente da ONG manifestou que, por ter vínculo familiar com Silvinho, não pretendia estar à frente das tratativas para a cessão de um terreno público.
A concessão de áreas públicas para entidades privadas é permitida pela legislação da cidade de São Paulo, desde que se comprove que determinada organização presta “relevantes serviços sociais e culturais” ao município. Esse reconhecimento deve ser obtido por lei.
A emenda de Silvinho foi aprovada pela Câmara e integra a redação final do projeto de lei, que aguarda análise do prefeito Ricardo Nunes, que pode sancioná-lo, vetá-lo ou sancioná-lo com vetos parciais. Em caso de veto total ou parcial, o texto volta ao Legislativo municipal.
A Prefeitura de São Paulo não comentou sobre o fato de o vereador ter apresentado uma emenda com conflito de interesses e apenas informou que o prazo de sanção do projeto, com possibilidade de vetos, é até a próxima terça-feira, 7. Procurada, a Câmara não respondeu.
Leia a íntegra do posicionamento de Silvinho Leite
É fundamental ressaltar que o processo legislativo de um projeto de lei é composto por diversas etapas e a aprovação em plenário não representa a sua conclusão. Ademais, após a votação, a autoria do projeto de lei ou emenda deixa de ser do vereador ou do grupo de vereadores e passa a ser uma manifestação da Câmara.
É preciso que fique claro que o processo legislativo ainda não finalizou, estando em fase de sanção ou veto por parte do Poder Executivo, vez que somente após esta etapa e a eventual promulgação é que o projeto se tornará uma lei em vigor capaz de produzir efeitos práticos.
É importante esclarecer que o terreno em questão não seria doado, mas sim seria cedido através de um termo de cessão para instalação no local de um centro de atendimento para famílias atípicas, sendo o foco do referido equipamento o autismo.
Ainda, faz-se necessário ressaltar que a cessão poderia ser revogada discricionariamente a qualquer tempo pelo Poder Público e não se trataria de uma doação, ou seja, não estaria se dando de forma perene e irrevogável a área declinada no projeto de lei. Compreende destacar que há documento de fevereiro do corrente ano, isto é, anterior a tramitação do projeto de lei em questão, no qual a sra. Teresa Pereira, presidente da Associação Amigos do Parque Santa Edwirges e Adjacências, comunica ao conjunto de entidades parceiras que não participaria do pedido da cessão de uso do terreno em função do seu vínculo familiar com este vereador.
Ademais, a Associação Amigos do Parque Santa Edwirges e Adjacências realiza um trabalho sério e árduo há anos voltado às questões sociais e ao atendimento dos interesses da população mais vulnerável, ou seja, a referida Associação e seus dirigentes possuem plena ciência da sua relevância dentro da comunidade do seu entorno e a indispensável necessidade de atender o interesse público.
Assim, diante dos esclarecimentos acima, entende este vereador que sua propositura visava atender ao interesse público e está imbuída da mais boa-fé.