Em defesa de São Paulo
O Estado de São Paulo sempre foi alvo de ressentimentos de parte daqueles outros que desde há muito não se encontram em situação de igualdade. Territórios que não fruem de autonomia financeira, que não se desenvolveram, embora convertidos formalmente em Estados, às vezes não reconhecem o significado de um carro-chefe, de uma locomotiva a impulsionar a nação.
Isso não é de hoje, mas já existia ao tempo da primeira República. Não é muita gente que sabe da intenção de Campos Sales e de alguns outros integrantes do governo provisório, entre eles os positivistas Benjamim Constant e Demétrio Ribeiro, de outorgar uma Constituição ao Brasil. Analogamente ao que fizera Pedro I, com a Carta Imperial de 25 de março de 1824. Este primeiro documento fundamental do Império do Brasil foi assinado pelo Imperador e referendado por João Severino Maciel da Costa, mas recebeu, nos anos seguintes, plena aprovação das Câmaras Municipais de todo o império nascente.
Campos Sales pretendia coibir estéreis debates que poderiam abalar a nascente forma de governo e, com isso, o crédito do Brasil. Mas também vedar que os Estados pequenos impedissem a atuação dos Estados grandes e mais prósperos. São Paulo já estava no centro dessas inquietantes murmurações, pois era um paradigma de saudável desenvolvimento.
Foi por isso que Campos Sales enviou a um jundiaiense que foi se radicar em Campinas, José Maximiano Pereira Bueno, uma carta histórica, hoje esquecida, mas reproduzida por Pelágio Lobo no seu livro “Velhas Figuras de São Paulo”.
A missiva diz o que segue:
“Gabinete do Ministro da Justiça.
Amigo J. Bueno: Não me esqueci da representação da nossa Intendência; ao contrário, tenho submetido a estudos a questão e brevemente lavrarei decreto dando às Intendências o Executivo para cobrança de suas dívidas. A medida será geral, abrangendo impostos e multas municipais e provinciais, assuntos que se acham mal regulados e foi isso que deu-me algum trabalho.
Pretendo reformar a Junta Comercial e nessa ocasião darei aos Estados a faculdade de fazer tal criação nas suas capitais e então, com certeza, São Paulo terá, ao menos deve ter, a sua Junta, à qual dará as proporções que entender, pois o meu pensamento é levar a mais ampla federação a todas as esferas. Segundo o meu ideal, cada Estado será soberano e farei os maiores esforços para que assim fique estatuído na nossa Constituição. E, a propósito, creio que o Governo se resolverá a fazer a Constituição por decreto, sem constituinte e sem plebiscito, o que é mais simples e mais seguro. Tenho trabalhado nesse sentido e espero vencer a pequena resistência que ainda existe da parte de alguns colegas. Mas isto é assunto reservado, portanto não seja abelhudo.
Voltando a Campinas, me parece que a empresa de águas e esgotos deve desde já tratar de dar a mais enérgica atividade aos seus trabalhos, para que antes do seguinte verão, tenhamos impreterivelmente completa e acabada a canalização das águas e com o tempo de se entupir poços e latrinas. O Estado de São Paulo, em virtude do contrato celebrado, fornecerá o dinheiro para isso e, se for necessária uma nova concessão, deve-se tratar disso, mas perante o próprio Estado.
Como disse, acho que a solução do nosso aflitivo problema está nos trabalhos da empresa de águas e esgotos, porque já não se trata de medidas provisórias, de momento, para debelar uma epidemia, mas de meios permanentes, definitivos, que ponham a cidade perpetuamente a salvo de novas invasões. Neste ponto de vista é claro que tudo caberá àquela empresa. Reflitam nisso e vejam o que é que se deve fazer. Quanto a mim, estou pronto, absolutamente pronto, e escusado até é dizê-lo. Saudades aos acionistas da Companhia Santos, Irmãos & Nogueira. Adeus e disponha sempre do amigo afetuoso, Campos Sales”.
Como se sabe, o projeto de Campos Sales em relação à Constituição outorgada não vingou. Elaborou-se a Constituição Federal de 24 de fevereiro de 1891, que instaurou a República, assegurou autonomia aos Estados, separou Igreja e Estado, adotou a eleição presidencial por voto do qual excluídas mulheres e analfabetos.
Mas é importante verificar que os verdadeiros estadistas – e Campos Sales o foi – já se preocupavam com o saneamento básico. Pensar que em 2025, milhões de brasileiros ainda não contam com o mínimo, que é o esgotamento doméstico e o seu tratamento, é algo que bem denuncia o grau sofrível da política partidária tupiniquim.