Defensoria vê ‘abusos’ e recomenda ao Senado CPI sobre operações da PF contra garimpo no Madeira
A Defensoria Pública do Estado do Amazonas (DPE-AM) protocolou nesta terça-feira, 7, uma recomendação ao Senado para a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito destinada a apurar ‘possíveis excessos’ e ‘abusos de autoridade’ durante a operação conduzida pela Polícia Federal e outros órgãos na calha do Rio Madeira, especialmente na região Sul do Estado.
O Estadão pediu manifestação da PF. O espaço está aberto.
O documento foi endereçado a todos os senadores e tem como base o ‘grave impacto humanitário’ provocado pelas ações iniciadas no dia 15 de setembro. Segundo a Defensoria, a mobilização da PF ‘coloca em risco mais de 25 mil pessoas, entre crianças, mulheres, idosos e povos tradicionais’.
A Defensoria destaca que ‘a operação federal tem gerado situações de vulnerabilidade para centenas de famílias ribeirinhas, em especial nas comunidades localizadas ao longo do Rio Madeira’. O documento enviado ao Senado cita relatos de destruição de moradias, abordagens ‘violentas e destruição de bens essenciais à subsistência como barcos, motores e alimentos’.

Os defensores recomendam ao Senado que ‘averigue as condutas de agentes federais e de autoridades envolvidas, de modo a apurar possíveis excessos de força, ações desproporcionais e violações de garantias fundamentais asseguradas pela Constituição Federal’.
A Defensoria assinala que ‘há indícios de que os procedimentos adotados pelos agentes públicos extrapolaram os limites legais e geraram danos irreversíveis a grupos vulneráveis que dependem do rio e da floresta para sobreviver’.
A instituição enfatiza ainda que a operação, ‘embora deva combater atividades ilegais, não pode ocorrer à custa da violação de direitos humanos’.

Destruição
A Defensoria aponta para informações do Ibama e do Ministério Público Federal, que também acompanham a operação. O balanço apresentado pelos órgãos indica a ‘destruição de dezenas de embarcações e equipamentos na tentativa de conter a mineração ilegal’ – mas, conforme o documento, ‘não houve plano de mitigação ou assistência às famílias afetadas, o que agrava o cenário de insegurança alimentar e desabrigo’.
A DPE-AM afirma que, embora reconheça a importância das ações de combate à criminalidade ambiental, ‘é dever do Estado conciliar a repressão a ilícitos com a preservação da dignidade humana’.
“Não se combate ilegalidade com ilegalidade”, crava o texto. “Os órgãos públicos devem atuar de forma coordenada e proporcional, garantindo que nenhum cidadão inocente seja penalizado por ações que visam reprimir crimes ambientais.”
Perdas
Aos integrantes do Grupo de Trabalho ‘Teko Porã’, que realizaram visitas no município de Humaitá e nas comunidades próximas entre os dias 22 e 24 de setembro, famílias relataram à Defensoria a perda total de suas embarcações e moradias, além da impossibilidade de locomoção, transporte escolar e acesso a alimentos.
Os defensores que estiveram na região afirmaram que a Defensoria vem atuando em caráter emergencial, ‘oferecendo apoio jurídico e acompanhando a situação de perto, com o objetivo de preservar o mínimo existencial e garantir o direito à vida e à moradia dessas populações tradicionais’.
Ao recomendar a abertura da CPI, a Defensoria do Amazonas ‘reforça sua função constitucional de proteger os direitos humanos e coletivos e de garantir que a atuação estatal seja guiada pelos princípios da legalidade, proporcionalidade e humanidade’.
A instituição também solicita que o Senado adote medidas de reparação e proteção imediata às famílias atingidas e que o governo federal apresente planos concretos de apoio social e humanitário aos afetados pela operação.
“A Defensoria Pública não se opõe às ações de fiscalização, mas exige que elas respeitem os direitos fundamentais das pessoas que vivem da floresta e do rio. O combate à ilegalidade deve andar lado a lado com a proteção da vida”, reforça a recomendação dos defensores públicos que acompanham o caso.
Famílias ribeirinhas
As operações federais na calha do Rio Madeira, entre Humaitá e Manicoré, têm sido marcadas, segundo a Defensoria, pelo uso de explosivos para destruir balsas e dragas de garimpo ilegal.
A Defensoria do Amazonas, por meio do Grupo ‘Teko Porã’ – Vida Digna, acompanha a situação e alerta que essas ações ‘vêm gerando pânico e perdas materiais para centenas de famílias ribeirinhas’.
De acordo com relatos coletados em campo, a destruição das embarcações e o vazamento de combustíveis têm afetado a pesca e o transporte fluvial, comprometendo a renda e a alimentação de comunidades inteiras. “Em muitos casos, as famílias perdem também o local onde vivem, enfrentando dificuldades para recomeçar.”
A Defensoria tem atuado com atendimentos nas áreas atingidas e cobrado das autoridades medidas menos danosas nas operações, além de reparação para os moradores impactados. O órgão reforça que o ‘combate ao garimpo ilegal deve ocorrer dentro da legalidade e sem violar direitos humanos, garantindo proteção a quem vive há décadas na região’.
COM A PALAVRA, A POLÍCIA FEDERAL
O Estadão pediu manifestação da Polícia Federal sobre as denúncias da Defensoria Pública do Estado do Amazonas. O espaço está aberto. (rayssa.motta@estadao.com; fausto.macedo@estadao.com)