Dois testamentos: a disputa da herança milionária de um casal por ex-cuidadoras e sobrinho
Um casal que viveu 66 anos juntos, dois testamentos lavrados com onze anos de diferença e uma disputa que hoje envolve um sobrinho e duas ex-cuidadoras.
O caso, amplamente noticiado, reacende um velho debate jurídico: até onde vai a liberdade de testar — e quando começa o risco de litígio?
Uma história de amor, longevidade e conflito
Ele, contador; ela, secretária. Foram companheiros de vida e de montanha, conhecidos pela paixão pelo alpinismo.
Sem filhos, viveram discretamente até que, em 27 de agosto de 2018, o marido faleceu, deixando um testamento conjunto datado de 2007, que transferia todo o patrimônio ao sobrinho, o professor Vitor Hollup.
Após a morte do tio, Vitor cuidou das despesas da casa, mas poucos meses depois foi impedido de entrar no apartamento — havia na portaria um bilhete com sua foto e uma ordem de proibição assinada pela tia.
Pouco tempo depois, em maio de 2019, a viúva também faleceu. Só então veio à tona a reviravolta: um novo testamento, lavrado em dezembro de 2018, deixava a parte dela da herança para duas cuidadoras, Maria de Lourdes Barbosa Soares (60%) e Gilcilene Souza Martins (40%).
O sobrinho, agora inventariante, busca a confirmação judicial do primeiro testamento, enquanto o segundo documento, em favor das cuidadoras, é objeto de contestação.
O inventário segue suspenso, aguardando definição judicial.
O papel do Ministério Público e a perícia indireta
Diante da divergência entre os testamentos, o Ministério Público solicitou uma prova pericial indireta — um exame técnico que busca avaliar a capacidade da testadora à época da lavratura, com base em documentos, laudos médicos e registros disponíveis, já que não é mais possível avaliá-la diretamente.
Esse tipo de perícia é comum em casos de testamentos contestados e tem como objetivo garantir que a vontade expressa seja legítima e livre de vícios.
É uma ferramenta que equilibra o respeito à autonomia do testador com a necessidade de segurança jurídica.
Entre a gratidão e o direito
Casos como esse escancaram o conflito entre o afeto e a lei.
Muitos idosos, movidos por gratidão, decidem beneficiar cuidadores, empregados ou pessoas próximas — um gesto humano e compreensível.
Contudo, o testamento exige forma, discernimento e cautela.
Sem isso, o ato de generosidade pode se transformar em anos de disputa judicial.
As lições jurídicas do caso
A situação vivida por esse casal deixa lições valiosas para quem deseja evitar que sua herança se transforme em campo de batalha:
- Testar é um direito, mas deve ser feito com orientação jurídica e em observância às formalidades legais;
- Documentos médicos contemporâneos podem prevenir contestações futuras;
- Cartórios e testemunhas idôneas são garantias essenciais da autenticidade do ato;
- E, principalmente, planejar a sucessão é um ato de amor — não apenas de precaução.
A última vontade e a paz de quem fica
Entre o primeiro e o segundo testamento, entre o amor e a lei, está o desafio de interpretar a verdadeira vontade de quem partiu.
Enquanto a Justiça decide qual delas prevalecerá, o caso deixa uma mensagem inequívoca: a herança mais importante que se pode deixar é a certeza de que a vontade será respeitada, sem litígios ou feridas familiares.