11 de outubro de 2025
Politica

‘Se a direita tiver cabeça e evitar fragmentação, pode vencer em 2026′, diz Luiz Felipe D’Avila

Tentativas de golpe de Estado, choques entre os Poderes e polarização política não são exclusividade da cena brasileira atual. A trajetória do País, lembra o cientista político e escritor Luiz Felipe D’Avila, é marcada por longos períodos de instabilidade, intercalados por breves momentos de normalidade.

“Desde a fundação da República, o Brasil já teve sete Constituições, mais de doze estados de sítio, fechamento do Congresso e deposição de presidentes da República. Foram, portanto, anos conturbados”, afirma D’Avila, que foi candidato a presidente em 2022, pelo Partido Novo. Para ele, compreender o presente e projetar o futuro da política nacional exige um mergulho no passado.

No dia 30 de outubro, o escritor relança, duas décadas após a primeira edição, o livro Os Virtuosos: os Estadistas que Fundaram a República Brasileira. A obra revisita os governos de Prudente de Moraes, Campos Salles e Rodrigues Alves — presidentes que enfrentaram o desafio de consolidar as instituições republicanas após dois governos militares autoritários.

Ao traçar paralelos entre os dilemas da Primeira República e o cenário atual, o cientista político destaca a relevância de líderes comprometidos com a democracia liberal, a responsabilidade fiscal e o crescimento econômico. Ele lembra que Campos Salles defendia como prioridade a organização das finanças públicas. “Vivemos justamente o oposto: um desarranjo fiscal que gera custos enormes à população”, critica.

Cientista político Luiz Felipe D'Avila, que lança o livro
Cientista político Luiz Felipe D’Avila, que lança o livro “Os Virtuosos: Os Estadistas que Fundaram a República Brasileira” posa em seu apartamento

As lições do início da República, afirma, também ajudam a refletir sobre as eleições de 2026. Em sua avaliação, o futuro político do País dependerá da capacidade da direita de construir consensos e evitar o populismo. “Se a direita tiver cabeça, evitar a fragmentação em disputas internas e escolher um ou dois nomes dessa ótima safra de governadores para 2026, teremos uma grande chance de vencer a eleição.”

O que motivou o relançamento de Os Virtuosos neste momento de polarização e descrédito nas instituições, e que mensagem o senhor quer transmitir ao leitor de 2025?

A primeira coisa importante a ser dita sobre esta reedição é que ela surge em um momento histórico em que muitos acreditam que o Brasil está vivendo, pela primeira vez, um processo de polarização. Isso não é verdade. A polarização faz parte da nossa história republicana. Muitas vezes esquecemos a história do país, mas o Brasil tem uma República marcada por longos períodos de anormalidade, intercalados por breves momentos de normalidade. Desde a fundação da República, há 136 anos, o Brasil já teve sete Constituições, mais de doze estados de sítio, fechamento do Congresso e deposição de presidentes da República. Foram, portanto, anos conturbados. Revisitar os governos de Prudente de Moraes, Campos Salles e Rodrigues Alves é fundamental. A missão de Prudente foi implementar uma democracia liberal e tirar o Brasil de governos autoritários, como os de Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto. No caso de Campos Salles, a missão era arrumar as finanças. E quando Rodrigues Alves assume, sua tarefa é fazer o Brasil voltar a crescer.

O livro retrata um período em que o Brasil consolidava suas instituições republicanas após dois governos militares autoritários. Que paralelos o senhor enxerga entre aquela transição e o atual cenário, depois da tentativa de golpe de Estado?

A primeira coisa é a crença profunda nos princípios liberais e na democracia liberal. Ou seja, a Constituição existe para limitar o poder do Estado e do governante, para dar o maior grau de liberdade ao indivíduo. Essa é a base da democracia. Então, essa combinação de instituições fortes, governo com poder limitado, garantia das liberdades individuais e uma política econômica liberal, para fazer o Brasil se tornar mais próspero, era a crença desses republicanos liberais. Era o que a gente chamava de ala paulista: Prudente de Moraes, Campos Salles, Rodrigues Alves, Bernardino de Campos, toda essa turma. Em contrapartida, havia os mais extremistas, aqueles que viam a República como um sistema de centralização de poder. Era o que chamávamos de república caudilha, muito comum no restante da América Latina, com pequenos ditadores tomando conta dos países. Prudente de Moraes, Campos Salles e Rodrigues Alves foram justamente os que salvaram o Brasil desse trágico destino das repúblicas autoritárias latino-americanas.

O senhor afirma que, mesmo com a corrupção disseminada, há “ilhas de excelência” na política brasileira. Há exemplos atuais que podem ser comparados aos “virtuosos” da Primeira República?

Cito dois grandes presidentes: Fernando Henrique Cardoso e Michel Temer. Porque foram presidentes que compreenderam a importância do fortalecimento das instituições democráticas para que possamos ter uma democracia liberal.

Que lição a liderança de Prudente de Moraes oferece aos governantes atuais diante de crises militares?

É interessante observar que, dentro do militarismo brasileiro, sempre existiram duas correntes: uma positivista, mais autoritária, e outra legalista-liberal, ligada à tradição do Duque de Caxias. Caxias era quem mantinha a disciplina no Exército e, ao mesmo tempo, defendia a legalidade na política. Sempre tivemos essas duas alas dentro das Forças Armadas. E, no episódio recente, ficou claro que a ala legalista é a majoritária no Exército brasileiro.

O legado de Campos Salles na defesa do equilíbrio fiscal ainda inspira o debate sobre responsabilidade nas contas públicas?

Campos Salles dizia que, se o presidente tivesse apenas uma missão, deveria ser a de cuidar bem das finanças do país. Sem isso, a economia não cresce, não há ambiente de negócios e o Brasil não prospera. Ele sempre entendeu que o rigor fiscal era fundamental para a saúde das contas públicas. E por que isso é importante hoje? Porque vivemos justamente o oposto: um desarranjo fiscal que gera custos enormes à população. Esse desequilíbrio provoca inflação alta e mantém a taxa de juros elevada. Como resolver? Com a fórmula de Campos Salles: reduzir o gasto público, cortar despesas desnecessárias, racionalizar o uso dos recursos e medir o impacto real de cada gasto na ponta, na melhoria das políticas públicas. Essa preocupação, que ele teve lá atrás, infelizmente não existe hoje.

Quais aspectos da gestão de Rodrigues Alves permanecem mais atuais hoje?

Vamos falar da questão das relações internacionais, que considero a mais importante (no cenário atual). O Barão do Rio Branco (ministro no governo Rodrigues Alves) sempre defendia que a diplomacia não podia ser contaminada pela política partidária; ela deveria ser tratada como uma questão de Estado. Por muito tempo, em qualquer lugar do mundo, os diplomatas brasileiros eram reconhecidos por sua competência e pela seriedade no tratamento das questões externas. A carreira diplomática sempre atraiu quadros extraordinários. Mas, nos últimos 20 anos, com a ascensão dos populistas ao poder, a diplomacia tornou-se mais uma peça da militância política e partidária. Isso foi um desastre para a tradição diplomática brasileira.

Como o senhor interpreta a ascensão recente do populismo e a condenação de Jair Bolsonaro por tentativa de golpe à luz da resistência de Prudente de Moraes, Campos Salles e Rodrigues Alves aos “caudilhos e demagogos” de seu tempo?

É importante compreender a natureza do populismo. Ele surge quando as instituições deixam de responder às demandas da população. E por que o populista consegue se tornar popular e conquistar votos? Porque ele toca nas dores reais das pessoas, nos problemas que afetam diretamente suas vidas. No Brasil, nas últimas décadas, não tivemos presidentes comprometidos com o fortalecimento institucional. Ao contrário: em 20 anos de populismo, as instituições foram cada vez mais capturadas por corporações. É por isso que os populistas vêm vencendo: porque faltaram líderes dispostos a reformar as instituições, libertá-las da captura pelo corporativismo público-privado e orientar a política pública para resultados concretos. E como podemos vacinar o país contra essa mentalidade populista? Sou otimista nesse ponto. Hoje existe uma geração extraordinária de novos governadores e prefeitos, comprometida com uma gestão baseada em dados e evidências.

Então, o senhor é otimista com o futuro político do país, pensando a médio prazo?

Sim, muito. Mas, no curto prazo, precisamos ter em mente o seguinte: vou fazer uma analogia com o passado recente. Em maio de 1993, o Brasil enfrentava uma inflação de 60% ao mês. Itamar Franco era presidente da República, e em apenas sete meses já haviam passado três ministros da Fazenda. O único projeto que o presidente parecia disposto a levar adiante era a volta da fabricação do Fusca. Enquanto isso, Lula aparecia com 40% nas pesquisas e era o favorito para vencer a eleição de 1994. Então, em maio de 1993, Itamar chama Fernando Henrique Cardoso para assumir o Ministério da Fazenda. Ele monta uma equipe de especialistas, elabora o Plano Real, a inflação é debelada, e FHC se elege presidente. Ou seja, o Brasil tem esses “golpes de sorte”. Se a direita tiver cabeça, evitar a fragmentação em disputas internas e escolher um ou dois nomes dessa ótima safra de governadores para 2026, teremos uma grande chance de vencer a eleição.

O senhor vê os governadores conseguindo viabilizar uma candidatura pela direita sem o apoio do bolsonarismo, sem recorrer ao populismo?

O essencial é ter um objetivo comum. Se olharmos para os três presidentes que mencionei, cada um tinha clareza absoluta do seu propósito: Prudente de Moraes queria estabelecer a democracia liberal no Brasil; Campos Salles, reorganizar as finanças públicas; Rodrigues Alves, retomar o crescimento econômico. E qual deve ser o objetivo comum da direita hoje? Retirar Lula e o PT do poder em 2026. Esse tem que ser o foco. Se começarem as disputas internas, cada um puxando para um lado, o projeto se perde. A estratégia precisa ser clara: tirar Lula, tirar o populismo da Presidência e eleger um dos governadores.

 

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *