No presidencialismo, governar significa responder por resultados e não terceirizá-los
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A recente decisão da Câmara dos Deputados de retirar de pauta a MP que aumentaria tributos para viabilizar o cumprimento da meta fiscal do governo provocou uma reação imediata do presidente Lula. “Não é uma derrota imposta ao governo, mas ao povo brasileiro”, afirmou o presidente, numa tentativa de deslocar a responsabilidade do Executivo para o Legislativo. A fala não é apenas retórica: ela se insere numa estratégia política clássica de evitar a culpa (blame avoidance).
Como demonstrou Kent Weaver no artigo seminal The Politics of Blame Avoidance, políticos são movidos mais pelo medo de serem responsabilizados por decisões impopulares do que pelo desejo de colher os créditos por medidas bem-sucedidas. Essa assimetria decorre do viés negativo dos eleitores: perdas percebidas doem mais do que ganhos equivalentes.

Mas, ao contrário do que Lula parece supor, a estratégia de “passar o bastão” raramente funciona em regimes presidencialistas. O presidencialismo concentra poder e responsabilidade. O eleitor associa o desempenho do governo à figura do presidente, não à dos legisladores. A tentativa de terceirizar culpas, além de soar como fuga de responsabilidade, pode corroer a credibilidade e a liderança do chefe do Executivo.
David Miller e Andrew Reeves, em Pass the buck or the buck stops here?, analisaram experimentalmente as estratégias de gestão de crises por líderes eleitos. Conclusão: aceitar a responsabilidade (blame claiming) é mais eficaz do que transferi-la (blame deflecting). Governos que “param a culpa” (stop the buck) ganham legitimidade; os que “passam a culpa” (pass the buck) perdem respeito. Admitir falhas, aprender com elas e demonstrar controle da situação é interpretado pelos eleitores como sinal de força, não de fraqueza.
Ao culpar o Congresso por suas dificuldades de arrecadação, Lula reforça a percepção de que o governo carece de coordenação interna, já que o problema fiscal decorre menos de sabotagem parlamentar e mais da dificuldade do governo em conter gastos e coordenar sua própria coalizão.
No fim, a retórica de que “não foi o governo, foi o povo quem perdeu” é contraproducente. Em política, como na vida, assumir a responsabilidade é sempre mais convincente do que culpar os outros. A tentativa de empurrar a culpa pode oferecer algum alívio imediato, mas mina o capital político necessário para governar. No presidencialismo, quem tem o poder de governar carrega também o dever de responder. A conta sempre chega — e, na política, ela costuma vir com juros e correção eleitoral.
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