Nobel de María Corina Machado, esnobada por Lula, tem várias camadas de política
Donald Trump pensa que merecia ter ganhado o Prêmio Nobel da Paz. O ditador russo Vladimir Putin parece concordar. Celso Amorim, assessor para assuntos internacionais da Presidência, acalentava a esperança de que o laureado fosse Lula. Trump passou as últimas semanas pedindo — exigindo até — para ser premiado. Putin reconhece que o americano “faz muito pela paz”. Já Amorim fez até campanha em Oslo, na Noruega, em 2023, para que a honraria fosse dada ao seu chefe. Mas o Nobel acabou indo para María Corina Machado, líder da oposição na Venezuela.
Assessores da Casa Branca consideraram a escolha injusta e um deles constatou, em tom de crítica, que o “Comitê Nobel provou que coloca a política acima da paz”. Amorim, vejam vocês, concordou: “Foi dada prioridade à questão política”. Putin, à distância, arrematou dizendo que o Nobel perde prestígio ao ser concedido a “pessoas que não fizeram nada pela paz”. Bonitas palavras saídas da boca de um criminoso de guerra.

Ser bem sucedido na promoção da paz não é exatamente uma exigência para ser agraciado com o Prêmio Nobel da Paz. Muitas vezes, ele foi dado como incentivo a personalidades que tinham a chave para a solução de conflitos ou que demonstraram boas intenções e propostas nesse sentido. O palestino Yasser Arafat, apesar do seu histórico de violência, ganhou o prêmio em 1994 pela participação dos Acordos de Olso, que no longo prazo não cumpriram seu propósito. Barack Obama foi premiado em 2009, poucos meses depois de assumir a presidência americana, com base em promessas, muitas das quais depois não se confirmaram. Foi uma espécie de prêmio preventivo. Com frequência, o premiado simboliza uma luta que é a de muitas outras pessoas contra a opressão e a tirania, como é o caso de María Corina Machado.
Nesse sentido, é claro que a escolha do ganhador do Nobel da Paz é um gesto político. E é isso o que incomoda Amorim e Putin no caso de María Corina. A diplomacia lulopetista vê a Venezuela sob a ótica da polarização política no Brasil. A venezuelana, que há pelo menos duas décadas descobriu que não podia contar com Lula para exigir dos governos chavistas respeito às normas democráticas, encontrou outros aliados mais confiáveis na região. Com isso, passou a ser associada pelo lulismo ao bolsonarismo e ao trumpismo.
Mas há também um cálculo geopolítico na ojeriza que o governo Lula tem à oposição venezuelana. Trata-se da convicção de que, se a ditadura de Nicolás Maduro cair, seja por qual meio, a Venezuela ficará sob influência direta do governo americano. Atualmente, isso significaria colocar Trump com um pé fincado na fronteira com o Brasil.
Para Putin, o cálculo é parecido, mas o jogo é diferente. A Rússia tem ainda mais a perder com a queda de Maduro do que o governo Lula. Putin dá as cartas na Venezuela e tem no país um conveniente e fértil território de geração de problemas para os Estados Unidos. Trata-se de uma moeda de troca valiosa para fazer chantagens e extrair negociações com os americanos. A diferença está na maneira como o russo escolheu defender a sua posição na Venezuela. Publicamente, ele desdenhou do Prêmio Nobel de María Corina não pelo incômodo que pode gerar ao seu aliado Maduro, mas pela chance de bajular Trump.
Enquanto Amorim e Putin têm suas razões políticas para criticar o reconhecimento feito a María Corina, Trump é motivado acima de tudo pela vaidade. De resto, o Nobel para a opositora Venezuela é providencial para a política externa americana, que vem aumentando a pressão sobre o regime venezuelano. María Corina, também em calculado gesto político, foi rápida em dedicar o prêmio a Trump, atualmente sua maior esperança para extrair concessões de Maduro. O presidente americano falou com a venezuelana por telefone e elogiou o fato dela ter dito que ele merecia a honraria. Por trás do discurso autocentrado de Trump há o fato inegável de que a escolha do Comitê Nobel dá mais legimitidade aos esforços para promover uma troca de regime na Venezuela.
Amorim teme que isso possa justificar uma intervenção externa no país. A preocupação não é com o povo venezuelano, mas o que isso pode significar para o Brasil e, especialmente, para o governo Lula. Há várias camadas de política no Prêmio Nobel de María Corina Machado.