14 de outubro de 2025
Politica

Da Faria Lima ao INSS: como a corrupção avança e a Justiça recua

O Brasil atravessa um momento crítico no enfrentamento à corrupção. Escândalos recentes não deixam dúvidas: estruturas de integridade e compliance perderam vigor, controles internos deixaram de ser prioridade e o crime organizado avança sem barreiras sobre setores estratégicos da economia. Não é coincidência que o Primeiro Comando da Capital (PCC) tenha se infiltrado na distribuição de combustíveis e, pouco depois, no coração financeiro do país por meio das fintechs. Esses episódios não são casos isolados. São sintomas de um Estado que perdeu a capacidade de proteger seus setores vitais e que, pior, parece conviver resignado com a ameaça à própria soberania.

O setor de combustíveis, vital para a economia e para a segurança nacional, tornou-se porta de entrada para empresas ligadas a facções criminosas. A Petrobras, que deveria ser exemplo de rigor no controle da sua cadeia de fornecedores, se transformou em elo vulnerável, revelando fragilidades persistentes em seus mecanismos de governança e compliance — mesmo após todos os ensinamentos deixados pela Operação Lava Jato.

O coração financeiro do país também não resistiu. Na Faria Lima, fintechs viraram instrumentos sofisticados para “legalizar” vultuosas operações ilícitas. O que deveria simbolizar inovação e modernização se converteu em avenida aberta para a criminalidade. Esse fenômeno mostra a lentidão regulatória e a ausência de vigilância eficaz de um setor que, até pouco tempo atrás, se orgulhava de eficiência.

Se no passado a política instrumentalizou a Petrobras para esquemas bilionários, agora o crime organizado replica esse modelo, estendendo-se tanto ao setor de combustíveis quanto ao mercado financeiro. A corrupção já não se limita à esfera política tradicional. Ela migrou para espaços de alta relevância econômica, ampliando riscos, distorcendo mercados e corroendo a confiança institucional.

O maior perigo, contudo, é a naturalização. Fraudes no INSS, emendas parlamentares bilionárias distribuídas sem transparência e episódios como os do PCC na Faria Lima já não causam a indignação pública de outrora. A corrupção passa a ser vista como inevitável, parte do “mecanismo”. Aceitar essa narrativa é entregar-se à complacência. E o preço é pago todos os dias em hospitais precários, escolas sem estrutura, transporte deficiente e na insegurança jurídica que expulsa investimentos.

O escândalo do INSS é exemplo gritante. A recém-instalada CPMI revelou fraudes bilionárias em descontos indevidos de aposentados e pensionistas, envolvendo o lobista conhecido como “Careca do INSS”, associações de fachada e até escritórios de advocacia que teriam dado aparência de legalidade a operações suspeitas. A corrupção, mais uma vez, ocupa espaços destinados à proteção social, atingindo os mais vulneráveis e expondo a fragilidade dos controles internos. Se no passado a Petrobras foi usada como caixa de esquemas, hoje a lógica se reproduz em órgãos previdenciários. A impunidade continua sendo o combustível de velhos e novos formatos de criminalidade.

O STF, que deveria ser guardião da Constituição, se tornou peça central desse retrocesso. Sob o pretexto de defender garantias individuais, vem anulando investigações e condenações que custaram anos de trabalho de procuradores e juízes. O resultado é perverso: personagens centrais de esquemas bilionários retornam à cena política com prestígio renovado, enquanto a sociedade absorve a mensagem de que o crime compensa, especialmente para quem alcança o topo do sistema judicial.

O contraste salta aos olhos quando se olha para fora. Há poucos dias, a China condenou à morte um ex-ministro da Agricultura por receber subornos milionários. Não se trata de defender medidas extremas, mas de observar a diferença de percepção: em outros países, a corrupção é tratada como ameaça estrutural ao Estado; no Brasil, é relativizada como parte do jogo político.

Essa situação não nasceu do nada. Houve um período em que práticas de governança e compliance avançaram, ainda que de forma imperfeita. Mas a falta de continuidade e o desmonte das estruturas de integridade, reforçados pelas decisões do STF, abriram espaço para o retrocesso. Hoje, em vez de fortalecer instituições, o país reincide em velhos mecanismos de captura política, somados a novas formas de criminalidade voltadas à lavagem de dinheiro.

Reverter esse quadro exige mais do que discursos ocasionais. É preciso fortalecer a autonomia dos órgãos de controle, blindar estatais contra a captura partidária, aprimorar a regulação das fintechs, exigir compliance em toda a cadeia de valor e responsabilizar de maneira efetiva o setor público e o privado. Mas nada disso será suficiente se a sociedade continuar anestesiada.

Enquanto a corrupção for tratada como inevitável, como um simples custo de fazer negócios, o Brasil seguirá corroendo a democracia, limitando o desenvolvimento e expondo sua economia a riscos cada vez maiores. Normalizar a corrupção é pôr em risco a soberania, o futuro econômico e a segurança dos cidadãos.

Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Esta série é uma parceria entre o Blog do Fausto Macedo e o Instituto Não Aceito Corrupção. Os artigos têm publicação periódica.

 

 

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