Quarenta mil emendas estão no radar do Supremo e investigações da PF causam pânico no Congresso
Investigações da Polícia Federal indicam que o desvio de emendas parlamentares começou a se entrelaçar com o crime organizado para lavagem de dinheiro. Foi assim no Maranhão, onde no ano passado um agiota que fazia negócio com emendas acabou assassinado, e tem sido assim em vários rincões do País.
No próximo dia 23, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino promoverá mais uma audiência pública para verificar como anda o monitoramento sobre o destino das emendas, após ter tomado uma série de decisões para enquadrar deputados e senadores, até mesmo com bloqueio de recursos.
O Tribunal de Contas da União (TCU) informou já ter capacidade para rastrear 70% das transferências Pix no exercício financeiro de 2025. São aqueles repasses que geralmente caem num caixa único de prefeituras e, com isso, conseguem escapar da fiscalização. Na prática, trata-se de um ralo por onde some o dinheiro público.

O problema é que o nó da prestação de contas de 2020 a 2024 ainda não foi desatado. São 40 mil emendas desse período, despachadas por parlamentares a seus redutos eleitorais – de forma direta ou por meio de colegas –, que precisam ser vasculhadas com lupa.
Há poucos dias, ouvi de um ministro do STF que parte significativa delas é “religiosa”. “Mas por quê?”, perguntei. A resposta veio rápida: porque o parlamentar fica com um terço. E as obras mesmo só existem no papel.
Não foi à toa que a Câmara tentou emplacar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Blindagem, enterrada no Senado por causa da reação popular. A PEC que protegia parlamentares e até presidentes de partidos de investigações criminais nasceu do pânico no Congresso.
Ali, não são poucos os homens engravatados que temem diligências da Polícia Federal sobre compra e venda de emendas, muitas vezes com lavagem de dinheiro de atividades ilícitas por meio de fintechs. Tudo isso atinge o coração da política.
Nesta terça-feira, por exemplo, a PF cumpriu mandados de busca e apreensão contra o deputado Dal Barreto (União Brasil-BA). Como mostrou o Estadão, um posto de gasolina pertencente a Dal Barreto recebeu recursos de emenda Pix apresentada por outro deputado.
A ação penal envolvendo os deputados Josimar Maranhãozinho (MA), Pastor Gil (MA) e o suplente Bosco Costa (SE), todos do PL, também ilustra como ocorre a farra do orçamento secreto que, nos dias atuais, apenas mudou de nome.
Os três foram acusados pela Procuradoria-Geral da República de cobrar propina de R$ 1,6 milhão do então prefeito de São José de Ribamar (MA), Eudes Ribeiro, para enviar uma emenda de quase R$ 7 milhões à cidade.
A Polícia Federal descobriu a existência de uma “estrutura armada”, a serviço da organização criminosa, para exigir de prefeitos a devolução de parte do dinheiro das emendas.
O agiota Josival Cavalcanti da Silva, conhecido como Pacovan, emprestava os recursos aos parlamentares e intermediava os negócios com prefeituras. A verba era devolvida ao empresário com o desvio das emendas. Pacovan virou uma espécie de “holding” do crime organizado no Maranhão.
As investigações descobriram que, quando estava em apuros, ele pagava um desembargador para ser solto. Vivia reclamando da inflação no preço do habeas corpus. Foi assassinado há um ano e quatro meses.
É nesse cenário de captura do Orçamento pelo Congresso que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tenta se equilibrar. Derrotado pelo Centrão, o governo ameaça agora cortar emendas, às vésperas do ano eleitoral de 2026. Sem identificar as “religiosas”, no entanto, fica muito difícil cobrir o rombo.