Proteção de dados e golpes digitais: o novo front da corrupção
Nos últimos anos, o Brasil vem assistindo a uma escalada preocupante de fraudes digitais que atingem cidadãos de todas as idades e classes sociais. O avanço tecnológico trouxe inegáveis benefícios, mas também expôs vulnerabilidades que, se não forem tratadas de forma séria, podem se tornar terreno fértil para práticas de corrupção, comprometendo a integridade institucional e a confiança no ambiente digital.
Um relatório global da TransUnion, publicado em 2025, revelou que 53% dos adultos em 18 países afirmaram ter sido alvo de golpes por e-mail, mensagens ou ligações entre agosto e dezembro de 2024. No Brasil, a situação mostrou-se ainda mais delicada: 40% declararam ter sofrido tentativas de fraude digital e 10% foram efetivamente lesados.
O País ocupa a sexta posição em incidência de transações suspeitas, com índice de 6,1%, acima da média global de 5,4%. Esses números evidenciam que a manipulação de dados pessoais se transformou em um dos insumos mais valiosos para uma indústria criminosa em rápida expansão.
O chamado “golpe do falso advogado” é apenas uma das modalidades em que esse processo se manifesta. Nele, criminosos exploram informações obtidas em processos judiciais, registros públicos ou bases de dados vazadas para simular identidades e enganar vítimas.
Por meio de argumentação persuasiva, recorrem à sensação de urgência para induzir o pagamento de valores inexistentes. Esse tipo de fraude demonstra como a ausência de controle no tratamento de dados institucionais abre espaço para práticas que corroem a confiança social e alimentam circuitos de corrupção digital.
Algumas respostas institucionais já foram implementadas. Um exemplo é a criação de plataformas de verificação que permitem confirmar em tempo real a identidade de profissionais registrados. Em poucas semanas de funcionamento, tais sistemas receberam milhares de consultas, revelando a carência de mecanismos de autenticação pública confiáveis.
Também se destacam campanhas educativas, cartilhas de orientação e a atuação articulada entre entidades jurídicas e forças de segurança. Tais medidas são positivas, mas ainda insuficientes diante da sofisticação crescente dos golpes.
Nesse contexto, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), em vigor desde 2020, constitui marco fundamental. A norma estabelece princípios de transparência, segurança, finalidade e responsabilidade. Porém, para que produza efeitos reais, não pode ser vista como obrigação meramente documental.
A lei deve ser incorporada como parte da cultura de integridade das instituições públicas e privadas. De nada adianta uma política formal de proteção se, na prática, não houver controles, auditorias independentes, governança efetiva e responsabilização em caso de falhas.
A proteção de dados precisa ser tratada como dimensão essencial do compliance e da governança corporativa. Empresas e órgãos públicos devem adotar práticas como criptografia robusta, monitoramento contínuo de anomalias, testes regulares de vulnerabilidade e segregação de acessos, reduzindo a exposição de informações sensíveis. Além disso, auditorias externas e certificações em segurança da informação funcionam como instrumentos de dissuasão e aumentam a credibilidade institucional.
No plano estatal, o fortalecimento das estruturas de fiscalização é indispensável. Órgãos reguladores e de controle precisam de equipes capacitadas em tecnologia e de instrumentos legais que permitam atuação célere. A coordenação entre corregedorias, polícias especializadas e tribunais de contas deve ser intensificada, pois a corrupção digital frequentemente se conecta a crimes como lavagem de ativos e fraudes processuais. Apenas uma resposta integrada é capaz de conter redes criminosas que operam em múltiplas esferas.
Outro elemento essencial é a educação em segurança digital. O cidadão precisa ser capacitado para identificar tentativas de phishing, vishing, smishing e demais práticas de engenharia social. Programas de cidadania digital devem ser incorporados às escolas e universidades, bem como às políticas de treinamento profissional. Quanto mais informada estiver a população, menor será o espaço explorado pelos fraudadores.
É importante destacar que o impacto de cada fraude transcende o prejuízo financeiro. O verdadeiro dano está na erosão da confiança entre sociedade e instituições. Quando o cidadão passa a duvidar da autenticidade de comunicações oficiais ou teme utilizar serviços digitais, o resultado é um abalo estrutural que fragiliza a democracia e compromete a transparência.
A proteção de dados, nesse sentido, não deve ser compreendida apenas como um direito individual, mas como uma barreira essencial contra práticas de corrupção que utilizam a informação como matéria-prima.
A construção de um ambiente digital íntegro exige cooperação entre Estado, setor privado e sociedade civil. Informar, prevenir e agir coletivamente é o único caminho para restaurar a confiança e conter a expansão dessa nova fronteira da criminalidade.
O desafio que se impõe, portanto, é compreender que integridade digital não é mais opcional. Ela é condição necessária para que instituições mantenham legitimidade, para que a economia se desenvolva de forma sustentável e para que a sociedade possa confiar em que seus dados não serão transformados em moeda de troca para práticas corruptas. Somente ao alinhar tecnologia, governança e cidadania será possível proteger o futuro digital do País.
Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Esta série é uma parceria entre o Blog do Fausto Macedo e o Instituto Não Aceito Corrupção. Os artigos têm publicação periódica.