Justiça condena a 17 anos primeiro envolvido no escândalo das criptomoedas do PCC e do Hezbollah
A Justiça Federal condenou a 17 anos e cinco meses de prisão o operador de criptomoedas Dante Felipini, de 30 anos, sob as acusações de evasão de divisas, organização criminosa e lavagem de dinheiro do crime organizado, mas o absolveu das acusações de financiamento ao terrorismo e falsidade ideológica.

Trata-se da primeira sentença da Operação Colossus, a primeira feita pela Polícia Federal (PF), que atingiu a Faria Lima, principal centro financeiro do País. Ela investiga desde 2022 um esquema de evasão de criptomoedas que teria movimentado R$ 61 bilhões. Para Diego Paes Moreira, da 6.ª Vara Federal de São Paulo, as conversas entre Dante e seus contatos demonstravam a lavagem de dinheiro, sem, necessariamente, indicar participação do crime de financiamento do terrorismo.
“Posto isso, julgo parcialmente procedente a presente ação penal, para absolver o réu da acusação de prática dos delitos de falsidade ideológica, e de financiamento ao terrorismo″, escreveu o magistrado em sua sentença.
O magistrado afirmou ainda que, apesar disso, “resta condenado o réu Dante Felipini” condenado pelos crimes de organização criminosa, evasão de divisas e lavagem de dinheiro. “Fixo a pena privativa de liberdade consolidada em 17 anos, 5 meses e 10 dias de reclusão, com regime inicial fechado, impondo, também, o pagamento de 61 dias multa, cada um deles equivalente a cinco vezes o salário-mínimo, tomando-se por base o valor vigente em outubro de 2023, devendo ser corrigido a partir de então”, decidiu o magistrado.
Esse não é o único problema de Dante, segundo a PF. Os agentes ainda identificaram ligações dele com o comerciante sírio naturalizado brasileiro Mohamad Khir Abdulmajid e com o médico libanês Hussein Abdallah Kourani. Ambos foram denunciados pelo MPF durante a 2.ª fase da Operação Trapiche, sobre financiamento do Hezbollah.

No processo em São Paulo, a defesa, conduzida pelos advogados Guilherme San Juan e Paulo Henrique Corrêa procurou mostrar que Felipini era um jovem que jamais pensou em ser um terrorista ou apoiar ações dos terroristas. Era apenas um operador de criptomoedas que se viu envolvido em um ambiente pouco regulado. “A defesa de Dante Felipini vem trazendo desde o início deste processo que a acusação de vínculo com financiamento ao terrorismo ou mesmo com o grupo Hezbollah era injusta e que isso seria, como de fato o foi, esclarecido perante o Poder Judiciário. Portanto, a absolvição por esta imputação restabelece a verdade. Os outros pontos da sentença estão sendo analisados.”
Ainda segundo a defesa de Dante, “em relação às demais acusações, certamente haverá o esclarecimento junto ao Poder Judiciário no momento oportuno”.
Para a Procuradoria da República, no entanto, Dante agira com dolo eventual, ou seja, assumira o risco de financiar o terrorismo ao pouco se importar com a origem dos recursos que enviava ilegalmente para fora do País. Também não importaria em praticar crimes financeiros executados por meio dos serviços prestados à organização terrorista Hezbollah, o que, segundo os procuradores, tornaria o acusado responsável pela execução de transações financeiras para dissimulação do dinheiro dos terroristas que era depositado na sua empresa. E, assim, Dante teria contribuído para a prática de atos terroristas.
O Brasil é signatário desde o ano 2002 da Convenção Interamericana contra o Terrorismo e possui uma lei antiterror. Portanto, concluiu o magistrado, o País deve agir no sentido de prevenir, punir e eliminar o terrorismo e atuar para efetivar as medidas para prevenir, combater e erradicar o financiamento do terrorismo. Entre as medidas previstas estão a criação de um regime de normas de supervisão de bancos e outras instituições consideradas particularmente suscetíveis de serem utilizadas para financiar atividades terroristas.
O juiz considerou que a localização de duas carteiras obtidas na extração de dados realizada no aparelho celular de Dante, com endereços da blockchain TRON, mencionados em documento do Ministério de Defesa de Israel, sobre endereços usados pelo Hezbollah, não seria suficiente para demonstrar a participação ativa do acusado no financiamento de atos terroristas. O mesmo ocorreria com mensagens do acusado com seus interlocutores, que foram apreendidas pela PF.

Segundo o juiz, o diálogo demonstraria, na verdade, que ambos os participantes não tinham qualquer conhecimento a respeito do envolvimento de carteiras ou contas de criptoativos relacionadas ao Hezbollah. Isso se revelaria até na forma desrespeitosa com que Felipini se referiu ao Estado de Israel com a expressão “que se foda Israel”.
Para ele, a complementação daquela “infeliz expressão”, usada pelo acusado, foi a afirmação de que “cliente pediu pra pagar”, o que permitiria interpretar como manifestação ao desejo de atender ao cliente, fazendo os pagamentos pedidos sem qualquer questionamento. Isso confirmaria, para o magistrado não o financiamento do terrorismo, mas a prática do delito de lavagem de capitais.
Nem mesmo um vídeo gravado no Vale do Bekaa, onde Felipini dispara um fuzil AK-47 em companhia de homens que diz serem integrantes do Hezbollah, teria sido gravado de fato ao lado de integrantes do grupo libanês, ao contrário do que o próprio Felipini disse em mensagens. Seriam conversas em tom de brincadeira em um grupo de WhatsApp, de forma totalmente irresponsável por parte de Felipini.
Ele estava preso desde que foi detido em 7 de janeiro de 2024, quando se preparava para embarcar para Dubai, onde estava morando. Em 29 de janeiro de 2024, a PF informou à Justiça os primeiros indícios de envolvimento de Dante com o grupo extremista libanês. Sua defesa classificou a acusação de “absurda e hipotética”.
A defesa também afirmava que a transação com criptoativo feita por ele com a carteira do comerciante libanês Tawfiq Muhammad Said al-Law acontecera antes de o Ministério da Defesa de Israel sancionar o libanês por sua participação no financiamento do Hezbollah e da Força Quds. E com esses argumentos ela tentou um primeiro habeas corpus, em março, mas a ordem foi negada pelo desembargador Fausto de Sanctis, da 11.ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3). Depois, buscou o STJ e o Supremo Tribunal Federal (STF). E sofreu novas derrotas.
Desde então, a PF realizou mais duas fases da Operação Colossus. A última, a Operação Sibila, aconteceu no dia 4 de setembro. Dante permanece preso. Também foi denunciado pelo Ministério Público Federal em São Paulo pelos crimes de evasão de divisas, lavagem de dinheiro, organização criminosa, falsidade ideológica e financiamento ao terrorismo. Pode pegar até 60 anos de prisão, uma pena que pode ficar ainda maior caso também seja condenado em Minas Gerais.