Guerra e paz em nossos tempos
Vive-se um momento difícil e repleto de incertezas. Tempos de pouca cooperação e muitos conflitos, em que há um visível reposicionamento entre as potências globais, especialmente entre a Ásia e o Ocidente. Não se trata apenas de uma disputa financeira e econômica: há também um claro embate político com o fortalecimento dos Estados nacionais em contraposição ao poder dos grandes conglomerados. Os valores do liberalismo político e econômico vem sendo crescentemente questionados, diante de uma nova ordem global que, gradativamente, se impõe.
A busca pela paz sempre foi um desafio. Liev Tolstói em seu clássico “Guerra e Paz”, retrata o drama dos conflitos bélicos tendo por pano de fundo a invasão napoleônica à Rússia no início do século XIX. Com genialidade, o autor reflete sobre as armadilhas psíquicas que nos aprisionam à intolerância e à consequente busca pela violência, bem como sobre nossa eterna dificuldade em exercer e lidar com o poder e suas implicações.
Apesar de nossas limitações históricas nesse campo, o mundo obteve relativo sucesso na busca pela paz nos últimos 80 anos. O período pós-segunda guerra mundial – comumente referido como “guerra fria” -, foi marcado pela ausência de confrontos de grandes proporções, e isso se deveu, em parte, a permanente ameaça de um conflito nuclear. Esse interstício de paz e estabilidade viabilizou, de certo modo, o avanço do liberalismo econômico que se contrapunha ao expansionismo dos regimes comunistas.
Com a queda do muro de Berlin e fim do bloco soviético, o capitalismo liberal consolidou-se como uma “via única”, sem concorrência ideológica significativa. A Ásia tornou-se o novo foco da política externa norte-americana, que, em sua cruzada democrático-liberal, utilizou o poder financeiro de instituições como Banco Mundial e FMI para transpor os valores ocidentais e abrir de vez o continente ao livre mercado. A convicção era de que o comunismo não mais voltaria a reinar num ambiente de Estado de direito e liberdade econômica.
Na China dos anos 1980, Deng Xiao Pin promoveu a abertura da economia ao comércio internacional, beneficiando-se de seu bônus demográfico e do baixo custo de produção. Salvo disputas regionais pontuais – como as tensões conhecidas entre Korea do Norte e do Sul e entre China e Taiwan -, a região desfrutou de um longo período de paz.
No início dos anos 2000 o ciclo de expansão econômica liberal chega ao seu ápice com o processo de globalização financeira. Como descreveu Thomas Friedman em O mundo é plano, houve um nivelamento econômico entre os países promovido pelo livre comércio mundial. Mesmo com a crise financeira de 2008, o modelo prosperou em termos de distribuição de riquezas até 2016, quando dois marcos simbólicos indicaram uma mudança de rumo: a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos e a decisão do Reino Unido pelo Brexit. Estavam, pois, lançadas as diretrizes da nova ordem mundial, calcadas no protecionismo econômico e no conservadorismo político.
Ainda assim, no início do século XXI, desfrutamos de relativa estabilidade política e econômica. Com exceção dos atentados de 11 de setembro de 2001 e a subsequente Guerra do Afeganistão, bem como os conflitos pontuais entre Rússia e Ucrânia e Israel e Hamas, o cenário seria de ausência de confrontos globais. A prevalência de uma sociedade de regras com liberdade econômica forjou um mundo menos beligerante – embora os embargos econômicos tenham sido amplamente utilizados como instrumento de pressão política e econômica.
Na América Latina, historicamente, a paz tem predominado. Apesar das severas crises financeiras das décadas de 1980 e 1990, a região não foi palco de conflitos armados significativos. Única exceção foi a guerra das Malvinas, que figurou como um conflito isolado e de pequenas proporções. Mesmo países que adotaram posturas contrárias a hegemonia norte-americana – como Cuba e Venezuela – mantiveram as tensões dentro do campo diplomático.
Apesar desse longo período de relativa estabilidade, há quem entenda que a paz esteja sob ameaça. Há indícios, para alguns, de que se esteja vivendo um período de pré-guerra, imaginando um possível grande embate entre potências globais, dada a alta tensão comercial. Mas não é possível afirmar categoricamente sobre essa hipótese, pois os grandes players globais têm muito a perder economicamente na hipótese de enfrentamento bélico. Outros, apostam na continuidade de conflitos regionais ou isolados, sob uma nova feição híbrida e tecnológica. Essa sim, parece uma tendência se levarmos a sério os discursos de alguns chefes de Estado quando mencionam suas intenções em relação a possíveis expansões territoriais.
Há um fato novo que merece nossa atenção: a disputa por terras raras e água para resfriamento de data centers de inteligência artificial. Há uma verdadeira nova “corrida armamentista” em curso por conta disso. Países que possuem essas riquezas em abundância, como o Brasil, devem ficar atentos aos riscos e as oportunidades que podem surgir no futuro.