20 de outubro de 2025
Politica

Congresso turbina emendas Pix em R$ 73 milhões para acelerar repasses diretos a um ano da eleição

A um ano das eleições de 2026, deputados e senadores aproveitaram brechas do Orçamento para turbinar suas emendas Pix e ampliar em R$ 73 milhões os repasses diretos a Estados e prefeituras. O movimento ocorre em meio ao atraso na aprovação do Orçamento e ao endurecimento das regras de transparência imposto pelo Supremo Tribunal Federal (STF) à modalidade, o que travou a liberação de parte desses recursos ao longo do ano.

Embora a prática não seja ilegal, especialistas ouvidos pelo Estadão avaliam que a manobra expõe uma corrida dos parlamentares por dividendos políticos, com a antecipação das transferências de olho em 2026.

Criadas para dar agilidade aos repasses, as emendas Pix permitem que deputados e senadores enviem dinheiro diretamente a prefeitos e governadores, sem necessidade de convênio ou definição prévia de obra ou projeto. Na prática, o mecanismo dificulta o rastreamento dos recursos e impede o acompanhamento preciso de como foram aplicados.

Congresso Nacional tem acelerado a liberação de emendas Pix
Congresso Nacional tem acelerado a liberação de emendas Pix

Levantamento da Central das Emendas mostra que ao menos 44 parlamentares, de partidos como PT, PL, União Brasil, PDT, MDB, PSD e PSB, remanejaram recursos de emendas com maior burocracia para a modalidade Pix, que permite transferências diretas de forma mais rápida.

Até 16 de outubro, foram turbinados R$ 73,3 milhões, valores que originalmente estavam destinados a programas de infraestrutura, saúde, educação e assistência social. As readequações se espalham por diferentes regiões do País e beneficiam tanto bases eleitorais consolidadas quanto municípios fora do reduto dos autores das emendas.

O pesquisador da PUC-Rio em gestão pública e responsável pelo desenvolvimento da Central das Emendas, Bruno Bondarovsky, explica que a margem para essas mudanças ocorre entre o valor inicialmente previsto para cada emenda e o montante final que ela recebe após os ajustes feitos ao longo do ano.

Nesse intervalo, pontua, os parlamentares podem solicitar mudanças antes que o dinheiro seja efetivamente reservado para pagamento, aproveitando janelas do sistema orçamentário para redirecionar os recursos. É nesse momento que muitos transformam emendas que seriam executadas por ministérios em transferências diretas para prefeituras.

Neste ano, o Congresso aprovou R$ 24,6 bilhões em emendas individuais, de pagamento obrigatório, que permitem aos parlamentares destinar recursos diretamente a seus redutos eleitorais. Dentro desse montante estão as emendas na modalidade Pix, usadas justamente por dispensarem convênios e etapas de fiscalização prévia, o que torna a execução mais rápida e politicamente vantajosa.

Para o cientista político e professor do Insper Leandro Consentino, o aumento dos repasses por meio das emendas Pix resulta de uma combinação de fatores, entre eles o atraso na aprovação do Orçamento, que só ocorreu em março, e a proximidade das eleições de 2026.

Até outubro, o governo havia empenhado R$ 26 bilhões, de um total de R$ 50,3 bilhões previstos no Orçamento, o que equivale a 52% do valor autorizado. Em 2024, no mesmo período, o índice era de 79%, indicando uma execução mais lenta neste ano.

Nessa lógica, explica o pesquisador, quanto maior a autonomia dos parlamentares para direcionar recursos diretamente a prefeitos aliados, com menos exigências e burocracia, maior o potencial de retorno político. “Não é de se espantar que os deputados estejam se movimentando dessa forma”, afirma.

Cosentino também destaca o endurecimento das regras imposto pelo ministro Flávio Dino, relator das ações que tratam da transparência das emendas no Supremo. Embora Dino tenha estabelecido critérios mais rígidos para a modalidade, o cientista político observa que o retorno político e a agilidade das emendas Pix ainda superam as demais, justamente porque permitem a transferência direta de recursos para os municípios, sem necessidade de convênio ou intermediação de ministérios.

“O deputado ou senador consegue atender suas bases locais com vistas à reeleição, o que ajuda a explicar a manutenção do interesse político nesse tipo de repasse”, diz.

No ano passado, o ministro suspendeu temporariamente o pagamento das emendas Pix após denúncias de falta de controle e favorecimento político. No mesmo período, com aval do plenário do Supremo, os repasses foram liberados, mas com novas exigências: prefeitos e governadores passaram a ter de apresentar planos detalhados de aplicação dos recursos e prestar contas ao governo federal.

Na última semana, Dino determinou a suspensão, pelo governo federal, do repasse de emendas Pix para dez municípios e marcou uma audiência pública para o próximo dia 23. Ele convocou representantes do Congresso Nacional e de diversos órgãos do Executivo para explicar as falhas de transparência e rastreabilidade na execução dessas transferências.

A diretora-executiva da Transparência Brasil, Maria Atoji, avalia que o ministro agiu corretamente ao criar regras para coibir abusos nessa modalidade de emenda, mas alerta que “os órgãos de controle precisam estar atentos a esses movimentos”.

A leitura é compartilhada pelo economista Felipe Salto, da Warren Investimentos, para quem o avanço desse tipo de repasse ajuda a explicar por que o sistema orçamentário se tornou cada vez mais fragmentado e politizado.

As emendas Pix, afirma, representam a face mais problemática do Orçamento, por transferirem recursos sem finalidade claramente definida e reduzirem o espaço de planejamento do governo. “Os recursos saem de Brasília para municípios e entidades sem um propósito explícito e sem a necessária coordenação; esses remanejamentos nunca são bons”, completa.

 

 

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