Nogueira copiosa e destemida
Dentre as famílias paulistas mais nobres, destaca-se a dos Nogueiras. Da qual descendia José Paulino, com numerosa prole em Campinas. Puxara o pai, Luiz Nogueira Ferraz, que deixara uma dúzia de filhos criados. José trouxe ao mundo outros dez.
Era daquelas famílias antigas em que os filhos prósperos ajudavam os irmãos mais moços e fossem naturalmente assumindo o papel dos pais. Mas os tempos não eram fáceis no início da República. A primeira gravíssima crise causara a demissão do Ministério de Deodoro e a assunção do Barão de Lucena. Este promoveu guerra aberta contra o que chamava “o predomínio dos generais”.
Quem eram os “generais”? Os mais prestigiosos chefes do partido: Campos Sales, Glicério e Prudente. Lucena era centralizador e não queria que os Estados, principalmente São Paulo, assumissem liderança.
Era estilo do Governo Central provocar cisão em São Paulo. Procurou-se um paulista para incorporar a sedição: Américo Brasiliense. Jorge Tibiriçá foi exonerado de seu cargo de governador e Brasiliense nomeado em seu lugar.
Os chefes visados não ficaram inertes. O “Correio Paulistano” passou a publicar artigos e manifestos que diziam, em síntese: “Pretende-se enfeudar perpetuamente o Estado de São Paulo ao centro e comete-se a um paulista a tarefa ingrata de aniquilar de vez o sentimento de altiva independência e os estímulos de zelosa dignidade que têm sido em todos os tempos o nobilíssimo apanágio dos filhos desta terra”. Assinavam o manifesto Prudente de Morais, Campos Sales, Francisco Glicério, Bernardino de Campos, Almeida Nogueira, Rodrigues Alves, Adolfo Gordo, Alfredo Ellis, Cesário Motta e Domingos de Morais, entre outros.
Em Campinas, José Paulino Nogueira, líder do PRP, consagrou-se a preservar a coesão dos elementos leais aos antigos chefes. Seu feitio moderador e suasório, apaziguou os mais agitados e conteve as explosões dos mais impetuosos.
Mas a polarização já existia. Em novembro de 1891, verificando que os adesistas já perfilhavam ao lado de Américo Brasiliense, José Paulino renunciou à chefia do partido, devolvendo-a a Francisco Glicério. Pelo “Correio de Campinas”, dirigiu-se ao povo de sua terra, em seção livre, explicando o que ocorrera:
“Desde o dia 14 do corrente considero-me desligado do diretório do partido republicano desta cidade, por haver-me convencido de que muitos, dentre os meus correligionários, discordaram inteiramente da atitude que entendi dever guardar diante dos acontecimentos que aqui se preparavam em razão do movimento operado em diversos pontos deste Estado. Não nos tendo sido possível conseguir a adesão do nosso destacamento policial e estando informado de que os partidários do presidente ora deposto haviam reunido grande número de homens assalariados para o auxiliarem na resistência, convenci-me de que a deposição da Intendência não se realizaria, como aconteceu nas outras localidades, sem efusão de sangue”.
A têmpera de José Paulino fica bem expressa nessa mensagem: “Eu jamais me perdoaria o ter concorrido com o meu conselho para o rompimento de uma luta que devia pôr em risco centenas de vidas, máxime quando tínhamos toda a certeza de que o Dr. Américo Brasiliense se retiraria ou seria deposto dentro de poucos dias, embora não se manifestasse o pronunciamento de Campinas. Quem, conhecendo a política desta cidade, tão cheia de profundas odiosidades pessoais, acumuladas de longa data, e observando a extraordinária superexcitação de ânimo de um e de outro grupo, se animasse a concorrer para um gravíssimo conflito, cometeria, a meu ver, crime de lesa-patriotismo”.
Esse ramo da estirpe Nogueira, que tanto fez por Campinas e atuou de forma copiosa e destemida, evidenciou o seu caráter nesse episódio, hoje esquecido: “Fizessem-no outro, que eu prefiro os dissabores e contrariedades que me tem deparado esta emergência a ver derramar-se inutilmente, como para efeito de mera encenação, o sangue do mais humilde dos meus conterrâneos. Quaisquer que possam ser os juízos originados da paixão e exaltamento de muitos, diz-me a consciência que eu soube cumprir o meu dever de cidadão – e é quanto basta”.
Quantos homens públicos de hoje têm a consciência límpida e clara em relação ao estrito cumprimento do seu dever?