Um ministro para chamar de nosso
A indicação de ministros para o Supremo Tribunal Federal é uma das prerrogativas mais relevantes conferidas ao presidente da República pela Constituição de 1988. Trata-se de um poder-dever que transcende preferências pessoais ou alinhamentos políticos, exigindo do chefe do Executivo a capacidade de avaliar um cenário complexo que vai muito além de interesses de grupos específicos.
Recentemente, artigos publicados sobre a possível indicação de Jorge Messias ao STF são bons exemplo de posicionamentos que parecem ignorar esse contexto. A discussão pública sobre as escolhas presidenciais é não apenas legítima, mas é também necessária em uma democracia. Contudo, o debate perde em qualidade quando é conduzido por caminhos estreitos.
A nomeação para o STF deve considerar múltiplas dimensões: reputação ilibada, qualificação técnica, experiência profissional, compreensão dos desafios contemporâneos do Direito e da sociedade brasileira, e a capacidade de dialogar com diferentes correntes jurídicas. Não se trata de uma escolha simples ou da aplicação de fórmulas prontas. Cada contexto histórico, cada vaga que se abre, cada perfil dos ministros já atuantes na Corte influencia na decisão sobre qual contribuição será mais valiosa naquele momento específico.
Isso não significa que o presidente Lula não tenha consciência da necessidade de trazer novas vozes para a Justiça brasileira. Pelo contrário, ele tem demonstrado essa preocupação na prática, com as indicações da ministra Cármén Lúcia para o Supremo Tribunal Federal, das ministras Maria Thereza Moura, Maria Isabel Galotti , Daniela Teixeira e Marluce Caldas para o Superior Tribunal de Justiça, das ministras Maria Elizabeth Rocha e Verônica Sterman para o Superior Tribunal Militar, e das ministras Estella Aranha, Edilene Lôbo e Vera Lúcia Santana Araújo para o Tribunal Superior Eleitoral. São dez mulheres atualmente em exercício em tribunais superiores, um movimento que amplia a representatividade feminina no Judiciário brasileiro.
E dezenas de outras mulheres foram indicadas, neste Governo, para tribunais administrativos , tribunais regionais eleitorais e também para todos os tribunais regionais federais do país.
Há , pois , um inequívoco compromisso com a construção de um sistema de justiça mais inclusivo , mais diverso e mais representativo da sociedade onde vivemos . Com mais mulheres , e com mulheres negras. Indispensavelmente .
Mas é fato que precisamos avançar ainda mais , e muito mais rapidamente, nesta agenda que interessa e que sensibiliza o país .
E o Presidente Lula, mais do que qualquer outra liderança política do país, tem a sensibilidade e a condição de fazê-lo.
Limitando-me aos nomes que circularam nos últimos dias, por ocasião da precoce aposentadoria do Ministro Luís Roberto Barroso, e sem desprestigiar nenhum outro evidentemente , e muito menos a necessidade de seguirmos combatendo a vergonhosa sub-representação feminina em nosso judiciário , é importante dizer que Jorge Messias comanda o maior escritório de advocacia do Brasil, com mais de 8 mil advogados públicos . Sua sólida formação acadêmica inclui mestrado e doutorado em Desenvolvimento, Sociedade e Cooperação Internacional pela UnB, e se soma a sua rica experiência como procurador do Banco Central e do BNDES. É um quadro técnico reconhecido, com capacidade comprovada tanto na advocacia quanto na gestão de estruturas complexas. E com profunda sensibilidade social.
Nos últimos anos , Messias foi responsável por vitórias importantes do governo em diversas e variadas áreas , e já entrou para a história como um dos melhores e mais eficientes ministros da Advocacia-Geral da União.
Conduziu , com singular competência , o acordo da Bacia do Rio Doce para a reparação dos danos causados pelo rompimento da barragem da mineradora Samarco em 2025, cujo programa de indenização definitiva já favoreceu quase 300 mil pessoas.
Concentrou-se em reformar o sistema de pagamento de precatórios, combatendo irregularidades, buscando acordos com outros órgãos e alinhando o pagamento das dívidas judiciais às políticas econômicas do governo.
Mediou , com a União e as comunidades quilombolas de Alcântara (MA), um importante acordo , que pôs fim a 40 anos de disputa em torno do reconhecimento e da titulação do território quilombola contíguo ao centro de lançamentos espaciais localizado no município maranhense.
Na ocasião, emocionado, afirmou que “ser advogado é fazer justiça, e é isso que estamos fazendo aqui hoje. (…) O ato hoje aqui que estamos fazendo não é só a derrubada de muros. Foram construídos muros invisíveis, e essa população não podia entrar na terra que lhes pertencia. Eu quero dizer para vocês o seguinte: podem bater no peito agora. A partir do decreto que o presidente assinar, vocês vão poder dizer: essa terra é minha agora”.
Entre tantas outras relevantes ações , Messias criou uma Procuradoria de defesa da Democracia para atuar em defesa das instituições democráticas, e lançou a plataforma de autocomposição imediata e final de conflitos administrativos para reduzir grande parte dos custos do estado com demandas judiciais e para acelerar direitos e reforçar a segurança jurídica .
Pediu, em nome do Estado brasileiro, desculpas à população negra pela escravidão de seu povo , e também a famílias atingidas pelos horrores da ditadura militar. Gestos simbólicos, corajosos e necessários .
Caso seja confirmada a indicação , o Supremo , na atual composição , passará a ser composto por quatro ex-ministros da AGU, o que apenas reafirma a importância da experiência acumulada neste espaço.
Embora não haja paralelo, alguns articulistas insistem em fazer comparações com a indicação de Dias Toffoli, cuja trajetória no STF também merece, por fim, uma análise mais equilibrada e honesta . Indicado aos 41 anos, ele construiu ao longo dos anos uma jurisprudência relevante, participando de decisões cruciais em ADIs, ADCs e ADPFs dos mais relevantes tipos e espécies. Foi determinante no julgamento da chamada “presunção de inocência, que resultou na soltura do presidente Lula, e nos debates sobre as midiáticas e ilegais conduções coercitivas.
Foi também determinante na revisão de inúmeros equívocos cometidos pela famigerada operação lava jato, e na defesa intransigente do Estado de direito , do devido processo legal e do sagrado direito de defesa .
Um presidente da República não nasce pronto, nem um ministro do STF. Julgar uma indicação apenas pela idade ou pelo momento da escolha é limitar a análise a uma fotografia, quando deveríamos observar o filme completo.
O Brasil contemporâneo precisa de um Supremo Tribunal Federal que reflita a pluralidade do país. Isso significa abrir espaço para diferentes trajetórias profissionais: magistrados de carreira, procuradores, advogados com experiência no setor público e privado, professores, juristas com vivência em áreas diversas do Direito. Nenhum caminho é, por si só, superior aos demais. O que importa é a capacidade de cada profissional contribuir para o fortalecimento da democracia e para uma Justiça mais próxima da realidade brasileira.
A escolha de ministros do STF sempre gerará debates, e isso é saudável. Mas é fundamental que essas discussões reconheçam a prerrogativa constitucional do presidente da República e avaliem as indicações considerando a complexidade do papel que esses magistrados desempenharão. Qualificação técnica, experiência diversificada e compromisso com os valores democráticos são critérios que não podem ser obscurecidos por análises superficiais ou por expectativas que desconsideram o momento específico de cada escolha.
O desafio do presidente Lula, como de qualquer chefe de Estado, é equilibrar todas essas dimensões na construção de uma Corte Constitucional preparada para os desafios do século XXI. As indicações feitas até aqui, tanto para o STF quanto para outros tribunais superiores, demonstram esse esforço de ampliar perfis e qualificar ainda mais o Judiciário brasileiro.
Finalmente, é compreensível que os grupos de influência se organizem publicamente e que alguns outros atores, de forma menos explícita, trabalhem por um ministro para chamar de seu. O compromisso do presidente Lula é o de indicar um ministro que a sociedade, como um todo, possa chamar de nosso.