24 de outubro de 2025
Politica

Mendonça relata ações de interesse da Fiesp e mantém convênio com a federação por meio de instituto

BRASÍLIA – O Instituto Iter, do qual o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) André Mendonça é um dos donos, assinou convênio de parceria educacional com a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). A entidade que representa o setor industrial paulista figura como amicus curiae — ou seja, como parte interessada — em três ações sob relatoria do magistrado.

A Fiesp assinou o convênio com o Iter em outubro do ano passado. Esse acordo não prevê repasses de recursos da federação para o instituto do ministro André Mendonça. O termo estabelece que empresas associadas à Fiesp terão direito a descontos para seus funcionários nos cursos do Iter.

O ministro André Mendonça do Supremo Tribunal Federal é sócio do Iter, instituto que tem uma parceria com a Fiesp
O ministro André Mendonça do Supremo Tribunal Federal é sócio do Iter, instituto que tem uma parceria com a Fiesp

Em nota, o Iter afirmou que foi cobrado R$ 1.500 por aluno no primeiro curso que será realizado por meio da parceria, mas não informou quantas pessoas vão participar das atividades. A Fiesp respondeu, por sua vez, que 95 pessoas devem participar da formação, gerando assim R$ 142,5 mil ao instituto somente nesta primeira etapa de aulas.

Na resposta ao Estadão, a Fiesp afirmou que “não há qualquer conflito de interesse na referida contratação, uma vez que não existe relação entre as funções exercidas por magistrados e a atuação das instituições de ensino eventualmente contratadas para ministrar cursos de capacitação profissional”.

Os argumentos foram os mesmo do Iter, que afirmou que “o ministro não participa da administração nem da gestão operacional do Instituto, limitando-se a atividades de natureza docente e acadêmica, em estrita observância à LOMAN”. Como mostrou o Estadão, Mendonça figura entre os sócios do instituto por meio de outro empresa da qual é dono com a sua esposa, a Integre Cursos.

“As ações desenvolvidas visam fomentar boas práticas de boa governança e não envolvem qualquer relação institucional que possa gerar conflito com a atuação do ministro André Mendonça no Supremo Tribunal Federal”, alegou o Iter.

O ministro figura como relator em processos que a Fiesp participa ativamente como amicus curiae (amigo da Corte). Na qualidade de parte interessada e com direito de peticionar nos autos, a federação pode apresentar memoriais e argumentos em prol de uma das partes diretamente envolvidas por se tratar de temas do interesse dos industriais.

Dentre as ações sob relatoria de Mendonça e com participação da Fiesp, duas tramitam em caráter de repercussão geral — ou seja, a decisão do STF valerá para todos os processos semelhantes em curso em outras instâncias da Justiça no País.

O caso mais emblemático discute se deve incidir contribuição previdenciária patronal sobre os descontos do vale-transporte e vale-refeição dos trabalhadores. A Fiesp se manifestou contra a cobrança do tributo sob o argumento de que os benefícios são de natureza indenizatória ou compensatória e, por isso, devem ser excluídos da base de cálculo por haver precedentes de tribunais superiores neste sentido.

A posição da federação protege as empresas a ela associadas, pois, caso o STF decida de forma contrária, elas serão obrigadas a pagar mais tributos. “É tranquilo o entendimento, portanto, de que o fornecimento de transporte e de alimentação não constitui rendimento percebido pelo trabalhador pelos serviços prestados e tempo à disposição, mas, sim, compensação ou indenização de custos inerentes ao desempenho do trabalho”, argumentou a Fiesp em ofício incluído no processo.

Em 29 de agosto deste ano, quase um ano após a Fiesp ter assinado convênio com o Iter, o ministro negou, em um primeiro momento, o ingresso da Federação como amicus curiae, alegando que a entrada da federação paulista poderia ensejar em pedidos semelhantes de outros grupos, “prejudicando a razoável duração do processo e com potencial de gerar indesejado tumulto processual”. Um mês depois, Mendonça reconsiderou a decisão e permitiu que a Fiesp participasse do processo.

Para o professor de direito constitucional da Universidade de São Paulo (USP) Conrado Hübner, a atuação do ministro nestes processos com a participação da Fiesp deveria ser alvo de ações de suspeição. Ele pondera, contudo, que, mesmo que a suspeição fosse aventada por uma das partes, dificilmente o ministro seria afastado do caso porque o STF não costuma analisar este tipo de pedido contra os seus membros.

“Estão imunes à aplicação dessa regra. Ou mais precisamente: se autoimunizaram da aplicação da regra, num acordo de cavalheiros que exige reciprocidade. Tornaram a regra inócua”, criticou Hübner.

O professor de sociologia do direito na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) Fernando Fontainha reitera que o ministro se torna suspeito quando há “um vinculo objetivo” com uma das partes do julgamento. Ele avalia, contudo, que a relação de Mendonça, por meio do instituto Iter, com a Fiesp é controversa já que não é possível atestar o “interesse econômico” do ministro na causa — ou seja, se ele vai se beneficiar diretamente da decisão. Mas, segundo ele, há o debate se haveria quebra de imparcialidade a partir da relação comercial com uma das partes interessadas no processo.

“Se está sob o seu exame (ministro do STF) o julgamento em que uma das partes tem contato com uma empresa em que você é sócio, dá para falar em ruptura da imparcialidade. Isso geraria uma suspeição”, analisou.

 

 

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