23 de outubro de 2025
Politica

Hugo Motta repete modo Lira e usa urgência e sessões extraordinárias para conter pressão política

Desde o início do mandato, o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), tem se apoiado em instrumentos regimentais como requerimentos de urgência e sessões extraordinárias para recuperar o protagonismo político e centralizar a condução da agenda legislativa em meio a uma série de desgastes na imagem da Casa. A estratégia repete o modelo de condução de seu antecessor, Arthur Lira (PP-AL), que transformou esses mecanismos em instrumentos de concentração de poder e de gestão política de impasses internos.

Na última semana, Motta aprovou oito requerimentos de urgência voltados à área de segurança pública, em mais um movimento para acelerar votações e reforçar o controle sobre a pauta. Com isso, chega a 105 requerimentos de urgência nos dez primeiros meses de mandato, número próximo aos 136 registrados por Lira no mesmo ponto de seu primeiro mandato, em 2021. No mesmo intervalo da atual gestão, a Câmara realizou 89 sessões extraordinárias, contra 106 sob o comando anterior.

Na foto, o ex-presidente da Câmara, deputado Arthur Lira e atual comandante da Casa, Hugo Motta
Na foto, o ex-presidente da Câmara, deputado Arthur Lira e atual comandante da Casa, Hugo Motta

O requerimento de urgência permite que projetos sejam votados diretamente em plenário, sem passar pelas comissões, e se tornou um dos principais instrumentos de controle da agenda legislativa durante o comando de Lira. Já as sessões extraordinárias são reuniões convocadas fora da agenda regular, a critério da Presidência, para acelerar as deliberações e reduzir o tempo de debate. Ambas as práticas seguem sendo usadas por Motta, embora ele tenha sido eleito prometendo ampliar a discussão das matérias e dar mais previsibilidade ao funcionamento da Câmara.

O padrão se repete em meio a um cenário de desgastes políticos. A Câmara vem de uma sequência deles, com o motim de deputados em agosto e a aprovação da urgência do PL da Anistia e da PEC da Blindagem, que provocaram manifestações nas principais capitais e levaram a fissuras nos grupos políticos da Casa. Diante do revés, Motta buscou reorientar a agenda e chegou a afirmar que a Casa precisava se afastar de “pautas tóxicas”.

Cientistas políticos ouvidos pelo Estadão avaliam que a sucessão de episódios expôs a fragilidade de gestão política de Motta, o que o tem levado a usar com frequência instrumentos regimentais para impor autoridade e compensar falta de articulação, fragilizando o processo de deliberação legislativa. Deputados da base e da oposição afirmam que Motta ainda não demonstra estofo político para conduzir a Casa, oscilando na costura de acordos e ampliando a percepção de incerteza sobre sua liderança.

A cientista política Beatriz Rey, pesquisadora do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, avalia que Motta se mostra aquém do cargo que ocupa e que o motim de agosto simboliza essa fragilidade. Na ocasião, deputados da oposição ocuparam o plenário por mais de 30 horas, paralisando o funcionamento da Câmara em protesto contra a prisão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

O episódio só foi encerrado após um acordo articulado por Lira, sem a participação de Motta. “Um dos políticos mais novos a comandar a Casa, ele ainda não mostrou ter o perfil adequado”, diz.

Para a pesquisadora, o caso revelou duas fragilidades centrais do novo presidente: a incapacidade de equilibrar os diferentes interesses do plenário e a falta de peso político para sustentar acordos, fatores decisivos para quem ocupa a Presidência da Câmara.

Essa leitura é compartilhada por Murilo Medeiros, da Universidade de Brasília (UnB), para quem a ausência de liderança efetiva tem levado Motta a governar pelo regimento, e não pela política. “É curioso que Motta repete o modo de Lira em comandar: com baixa transparência e buscando concentrar poder”, observa.

Medeiros explica que o uso recorrente de requerimentos de urgência esvazia o papel das comissões e degrada o próprio rito legislativo. Como as propostas passam a ser votadas diretamente, as discussões técnicas são atropeladas e o espaço de atuação dos parlamentares é reduzido. “Isso resulta em deliberação menos qualificada e transparente, além de aumentar o risco de aprovação de projetos sem debate adequado”, avalia.

As críticas à gestão de Motta também recaem sobre o uso excessivo de sessões extraordinárias. Desde que assumiu, a Câmara realizou 89 reuniões desse tipo, número próximo ao registrado por Lira em 2021, quando o formato era mais recorrente por conta da emergência da pandemia. Para Medeiros, autor do levantamento, a banalização de um instrumento que deveria ser exceção reforça a lógica de uma pauta concentrada nas mãos da Presidência.

Dentro do plenário, a percepção é semelhante. O deputado Chico Alencar (PSOL-RJ) avalia que o presidente tenta se equilibrar entre forças opostas dentro da Câmara, tornando-se “refém” da ampla frente que o elegeu, que vai do PL ao próprio PSOL. ”Isso faz com que Motta também tenha dificuldade em cumprir acordos”, avalia.

Essa configuração, afirma, faz com que Motta oscile entre atender à ala conservadora e preservar algum espaço para pautas progressistas. “É como um técnico de futebol com pouca experiência, ainda procurando um padrão de jogo e um estilo de dirigir. Vai tocando entre avanços e recuos, tropeços e afirmações”, diz.

A avaliação segue na mesma linha de deputados da base e da oposição, que veem em Motta falta de autoridade política e dificuldade para impor liderança. Parlamentares ouvidos pela reportagem afirmam que o presidente ainda não tem “costas largas” nem “pulso” para conduzir a Casa.

Já o líder da oposição, Zucco (PL-RS), reforça a crítica e diz que os partidos de direita têm sido preteridos nos acordos selados pela Mesa, o que, segundo ele, agrava o clima de insatisfação e alimenta a percepção de falta de comando.

 

 

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