25 de outubro de 2025
Politica

A democracia resiste

O Brasil vive o maior intervalo democrático de sua história. Desde a eleição indireta de Tancredo Neves pelo Colégio Eleitoral, em 15 de janeiro de 1985, e a posse de José Sarney, vice de Tancredo, em 15 de março daquele ano, já se vão 40 anos de democracia no Brasil. Não sem conflitos e paradoxos, as quatro décadas seguintes aos 21 anos dos militares na presidência sintetizam, em termos contemporâneos, a própria formação histórica do país.

Considerando-se apenas o período republicano, inaugurado por obra militar via golpe de estado em 15 de novembro de 1889, os intervalos democráticos no Brasil sempre foram excessivamente breves em sua duração e limitados em sua extensão. A começar pela fundação da República dos Estados Unidos do Brasil, consagrada na carta constitucional de 1891, que, embora federalista, se fez sob espada, isto é, sob comando militar, até 1894.

Prudente de Moraes, terceiro presidente republicano, foi o primeiro civil e o primeiro a exercer a presidência por eleição direta, com o voto restrito aos maiores de 21 anos, excluídos analfabetos, mulheres e religiosos. De 1894 a 1930, foram eleitos 11 presidentes pelo voto direto, em bases controladas por chefes políticos locais, coronéis promotores do conhecido “voto de cabresto”. Júlio Prestes, último dos eleitos, sequer tomara posse.

Fora defenestrado por novo golpe de estado, liderado por Getúlio Vargas, presidenciável derrotado por Júlio Prestes nas eleições diretas de 1930. Por via indireta, Getúlio manteve-se na presidência até 1945, incluindo a ditadura do Estado Novo (1937-45) que suprimiu os legislativos municipais, estaduais e federal, além de vetar a atividade de partidos políticos. Outro golpe de estado depôs Getúlio, promoveu eleições e uma Assembleia Constituinte.

Deu-se início ao intervalo democrático interrompido pelo Golpe Militar de 1º de abril de 1964, até então a mais rica experiência democrática do país. Entre 1945 e 1964, viu-se o estabelecimento de partidos nacionais, em vez dos partidos regionais existentes até a ditadura de Getúlio, com a vigência do pluripartidarismo, de fato, e o saldo de 14 partidos com representação no Congresso Nacional, incluindo o PCB, cassado em 1947. Não só.

Rompeu-se, pela primeira vez, com certo “bipartidarismo” existente desde os tempos de Império (1822-89), remodelado em tempos republicanos e encarnado por PRP (Partido Republicano Paulista) e PRM (Partido Republicano Mineiro) ao menos até 1930. Partido Social Democrático (PSD), Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e União Democrática Nacional (UDN), além do ilegal PCB (Partido Comunista Brasileiro), eram forças vivas.

Havia também partidos médios importantes: Partido Social Progressista (PSP), que elegera Café Filho vice-presidente em 1950, Partido Democrata Cristão (PDC), que elegera Jânio Quadros presidente em 1960, Partido Social Trabalhista (PST), que elegera Miguel Arraes governador de Pernambuco em 1962, e Partido Socialista Brasileiro (PSB), que elegera Aurélio Viana senador, em 1962, e Francisco Julião deputado federal por Pernambuco.

A Ditadura Militar (1964-85) deu fim àquela experiência democrática e, contradição que era sua, justamente por atrelar sua legitimidade política ao fato de haver livrado o Brasil de um “perigo vermelho” imaginário, deu vazão ao seu simulacro democrático. “Elegeu” por via indireta todos os seus cinco ditadores e, ao repor com o Ato Institucional nº 2 (1965) o bipartidarismo de priscas eras, criou os marcos do sistema partidário ainda hoje vigente.

ARENA (Aliança Renovadora Nacional) e MDB (Movimento Democrático Brasileiro), partidos paridos artificialmente, essencialmente orientados para o exercício profissional da política, não deixaram de existir com o retorno do pluripartidarismo a partir de 1979. Sim, a ARENA converteu-se em PDS (Partido Democrático Social) e o PDS compõe a raiz genealógica dos atuais Partido Liberal (PL), Partido Progressista (PP) e União Brasil (UB).

O MDB, criado em 1966, tornado PMDB em 1979, e hoje, diante de escândalos de corrupção, “com Supremo, com tudo”, novamente MDB, esteve no timão da travessia democrática sem jamais vencer uma eleição direta para a presidência da República. Governou com Sarney (1985-90), vice de Tancredo, e Michel Temer (2016-19), vice de Dilma Rousseff, deposta após 13 anos de governos do Partido dos Trabalhadores (PT).

O Brasil assistiu ao primeiro civil eleito em 21 anos, por via indireta, falecer sem tomar posse. Seu vice, ex-presidente de ARENA e PDS, assumir e promulgar a Constituição de 1988. Uma criatura da ARENA, feito prefeito-biônico, então abrigado no PMDB e depois no efêmero PRN (Partido da Reconstrução Nacional), vencer as primeiras eleições diretas em 19 anos e, diante de notórias evidências de corrupção, renunciar tempo pouco depois.

Em 40 anos, nove eleições diretas, cinco presidentes eleitos, três ex-presidentes presos, duas deposições por impeachment, uma tentativa de golpe de estado. E a democracia resiste.

Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Esta série é uma parceria entre o Blog do Fausto Macedo e o Instituto Não Aceito Corrupção. Os artigos têm publicação periódica.

 

 

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