Herzog, 50 anos: o plano de Fleury e seus 171 agentes de vigiar e prender quem fosse ao ato na Sé
Quem comparecer na noite deste sábado, dia 25 de outubro, na Praça da Sé, para o ato em lembrança dos 50 anos do assassinato do jornalista Vladimir Herzog, não precisará se preocupar com infiltrados, homens do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) no entorno da praça, nem precisará enfrentar os bloqueios espalhados pela Polícia Militar na cidade.

Os órgãos de segurança do Estado não serão uma ameaça à celebração na Catedral de São Paulo, nem estenderão seus tentáculos desde a Cidade Universitária até o marco zero da cidade como fizeram em 31 de outubro de 1975, quando o cardeal-arcebispo da cidade, d. Paulo Evaristo Arns, o pastor presbiteriano Jaime Wright e o rabino Henry Sobel celebraram um ato ecumênico em memória de Herzog.
O jornalista havia sido morto sob tortura no Destacamento de Operações de Informações (DOI), do 2º Exército, em 25 de outubro de 1975 . No dia 30, o plano da Operação Gutenberg, do Dops, estava pronto. O Estadão teve acesso à única cópia conhecida do documento. Ela começou às 8 horas do dia 31 de outubro por meio de rondas motorizadas nos itinerários que ligavam a Universidade de São Paulo à Praça da Sé.

Para tanto, foram usadas viaturas descaracterizadas, cujo objetivo era vigiar a ida em massa de estudantes da Cidade Universitária ao centro da cidade. A ditadura temia o potencial de mobilização social que o assassinato de Herzog podia provocar e queria impedir a qualquer custo uma manifestação após a celebração na igreja.
O DOPS mobilizou 30 delegados de polícia, 130 investigadores e 12 agentes especiais, os dedo-duros infiltrados nos movimentos sociais. Iam usar binóculos, máquinas fotográficas, filmadora, rádios de comunicação e 20 viaturas com placas frias, além de sete outras com as cores do departamento. Seu homens deviam portar armas curtas – pistolas e revólveres –, mas cada viatura teria uma espingarda calibre 12 e bombas de efeito moral.

Enquanto isso, o regime tentava empurrar goela abaixo da sociedade que o jornalista se matara nas dependências do DOI, do 2.º Exército. Ninguém aceitou a impostura. Nem mesmo os policiais do Dops. Todo mundo sabia que Herzog morrera “no pau”, na tortura, porque acusavam-no de ser comunista.

A ordem da Operação Gutenberg era assinada pelo delegado Tácito Pinheiro Machado. O Estadão teve acesso ao exemplar 27 do plano, que previa como missão dos policiais envolvidos a infiltração, observação, levantamento, “pinçamento e identificação de líderes” e a triagem dos detidos. As ameaças que a ditadura queria combater eram: manifestação pública, deslocamento único, deslocamento múltiplo e ostentação de faixas e cartazes.
No interior da catedral estariam dois delegados e 10 investigadores. Na Praça da Sé, outros 16 investigadores. Tudo a partir das 15 horas. Cinco equipes de dois homens seriam colocadas em prédios no entorno da Sé com câmeras e binóculos a partir das 13 horas. Outros 11 equipes com dois homens seriam colocadas em oito pontos no entorno da praça para realizar a detenção dos líderes da manifestação que os militares queriam impedir a qualquer custo.
Eles temiam que as pessoas deixassem a catedral após o ato ecumênico e passassem a se manifestar contra o governo. A triagem dos detidos seria feita por três equipes no quartel do Corpo de Bombeiros. Os presos seriam levados para o DOPS, no largo general Osório. Quem cuidaria das comunicações da operação era outro símbolo do chumbo daqueles anos: o delegado Sérgio Paranhos Fleury.

Operação Terço queria impedir o acesso à Sé
A PM criou a Operação Terço para impedir a chegada das pessoas à Sé. O Estadão teve acesso a um documento inédito. Ele envolvia policiais de trânsito com barreiras distribuídas pela cidade, uma companhia da tropa de choque, uma outra do 35º Batalhão da PM, um esquadrão da cavalaria, um pelotão motorizado do 29º Batalhão, além de alunos da escola de sargentos e da Academia de Oficiais do Branco Branco.
Os policiais do Comando de Policiamento de Trânsito receberam a orientação de montar postos no entorno da Sé para verificar a documentação e o estado de segurança dos veículos que se dirigissem ao centro da cidade. Era uma forma de “parar” a cidade. Também haveria fiscalização próximo das estações do Metrô. O plano era assinado pelo coronel Milton de Almeida Pupo.
Havia 25 barreiras no centro da cidade. Além deles, a Polícia Civil reforçaria as equipes de sete delegacias de bairro, de Pinheiros, na zona oeste, até a Sé. O plano deixava claro quem eram os “inimigos”: “Subversivos, simpatizantes, inocentes úteis em flagrante atitude de perturbação da ordem”. Eram as palavras de quem desejava uma repressão sem limites.

Já as “forças amigas” eram os integrantes dos órgãos de segurança da ditadura, que procurava proscrever o dissenso e tratava como inimigo quem se manifestava contra o assassinato de um jornalista. Em pouco tempo, o então comandante do 2º Exército, general Ednardo d’Ávila Melo, responsável último pela segurança no estado seria afastado. A repressão perdera sua “guerra”.
