A surpreendente China
Volto maravilhado de uma rápida, porém intensa, viagem à China. O objetivo principal era conhecer as UREs ali instaladas. Usinas de Recuperação Energética. A tecnologia de transformação dos resíduos sólidos em energia. Tudo se aproveita daquilo que desperdiçamos e descartamos. O resíduo final se transforma em tijolo ecológico.
As unidades em funcionamento em várias cidades chinesas lembram mais um equipamento educacional e recreativo do que uma usina. Ambiente clean, decoração elegante, primor pela estética. Nenhum sinal de lixo. Nenhum odor. Nenhuma sensação de desconforto. Ambiente mantido em temperatura agradável. O entorno é um jardim. Muita água, muito verde.
Conclui-se que a China está a anos luz de nossa realidade. Somos produtores de imundície não aproveitada em sua quase totalidade. A maior cidade brasileira – São Paulo – que tem população inferior à de cidades consideradas populosas naquela gigante asiática, gera diariamente quinze mil toneladas de resíduos sólidos. Discute-se qual o percentual de reciclagem. Mas todos confirmam não chegar a dez por cento.
Ou seja: consumimos demais, desperdiçamos demais e não sabemos descartar corretamente aquilo que jogamos fora. Por sinal, a Encíclica “Laudato Si”, do Papa ecológico, o jesuíta argentino Jorge Bergoglio, que adotou o nome emblemático de Francisco, acentua bem esse paradoxo: não existe o “jogar fora”. Sempre estaremos descartando sobre este maltratado planeta, que está cansado da crueldade do bicho-homem e que agora é quem está com a palavra. Mostra o seu descontentamento mediante a intensificação de fenômenos extremos, cada vez mais frequentes.
A China é a mostra autêntica de superação de problemas que no Brasil ainda não conseguimos enfrentar. Cidades com vinte milhões ou mais de habitantes, não têm fiação elétrica aérea. Tudo subterrâneo. São arborizadas e não existe espaço desprovido de plantas e flores. Muita água, muita luz, muito colorido.
Trânsito intenso, mas de veículos movidos a eletricidade. Garantia de silêncio. Disciplina e ordem. Não se encontra um pedaço de papel jogado, nem garrafa pet, nem isopor, nem qualquer espécie de sujeira tão comum em nossas cidades.
Imagino a surpresa de um chinês chegando ao Brasil e vendo como somos sujos e indisciplinados. O trem-bala percorre todas as localidades a uma velocidade superior a 390 km/hora. Já existe um modelo que chega a 800 km por hora!
O turismo interno é incentivado e garante a todos os chineses o contato com maravilhas quais a Grande Muralha, que se ergue sobre montanhas e vales, por milhares de quilômetros. Milhares de cidadãos, de todas as idades, percorrendo aquela que é um dos sete mais importantes monumentos da antiguidade. Asseio é obrigação na milenar civilização que leva a sério os preceitos da filosofia de Confúcio: respeito aos anciãos, amor à tradição, observância da disciplina, confiança no trabalho como forma de ascensão social.
Tudo isso, a conviver com incríveis obras estruturais edificadas com as mais modernas tecnologias. Para conhecer um dos projetos do já saudoso arquiteto Kongjian Yu, que faleceu carbonizado em Mato Grosso há pouco, percorremos uma ponte de vinte e quatro quilômetros. Construída em dezoito meses.
Há muito a aprender com a China. Inclusive com sua educação, que ensina as crianças a manterem limpa a sua escola, encarregando-se de obrigações primárias, qual a manutenção da higiene nos banheiros, a varrição das classes e dos pátios, o cuidado com a coisa pública, merecedora de zelo especial por pertencer a todos.
Uma tutela muito significativa em relação à história mais do que milenar, a veneração aos anciãos, que representam a sapiência experimentada e disponível para as novas gerações. Tudo aquilo que integra o patrimônio intangível de uma raça: valores, moral, cultura autêntica, educação que molda o caráter, mais do que fornecer diploma.
Se a superação de problemas que para nós parecem insolúveis foi possível para essa nação com quase um bilhão e quinhentos milhões de habitantes, por que não será possível para um país com apenas duzentos e treze milhões de almas? Falta vontade, falta foco, falta educação de qualidade e inquebrantável seriedade no trato das coisas de interesse comum. Há muito o que se aprender com a surpreendente China. Saibamos nos aproximar dela e de seu povo.
