Alcolumbre, o político que mais negocia cargos e emendas com Lula e quer emplacar um ministro do STF
BRASÍLIA – Na noite de segunda-feira, 20, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), chegou ao Palácio da Alvorada disposto a mostrar números. Ao ouvir de Luiz Inácio Lula da Silva que ele indicaria o advogado-geral da União, Jorge Messias, para a vaga no Supremo Tribunal Federal (STF), Alcolumbre apresentou ali uma contabilidade preocupante.
“Presidente, a prerrogativa de indicar é sua, mas ouça antes os senadores”, pediu ele. Pelos cálculos de Alcolumbre, se a análise do nome de Messias fosse hoje, o ministro que defende as causas da União não teria mais do que 25 votos. Para ser aprovado, o escolhido pelo presidente precisa passar por sabatina na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e ter o apoio de 41 dos 81 senadores no plenário, em votação secreta.
Na conversa com Lula, Alcolumbre agiu como cabo eleitoral do ex-presidente do Senado Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Disse que Pacheco não era apenas o seu candidato à cadeira antes ocupada por Luís Roberto Barroso no STF, mas, sim, o preferido pela maioria do Senado. A planilha de Alcolumbre revelava que, se Pacheco fosse indicado para a Corte, teria o aval de, “no mínimo”, 56 senadores.

Lula avisou que sua decisão estava tomada, mas que ainda conversaria com Pacheco, nome defendido por ele para concorrer ao governo de Minas Gerais. Alcolumbre saiu do Alvorada sem saber se, na manhã do dia seguinte, veria uma nota oficial com a indicação de Messias. O presidente embarcou para a Ásia, porém, sem nada anunciar.
Mesmo ciente de que é remota a chance de Lula mudar de opinião, Alcolumbre conseguiu ganhar tempo. A semana começou bem para o senador do Amapá que, ainda na segunda-feira, havia comemorado uma notícia bastante esperada: após muita pressão, o Ibama autorizou a Petrobras a prospectar petróleo na Margem Equatorial, região da costa brasileira que se estende do Amapá ao Rio Grande do Norte.
O tema se tornou um cabo de guerra no governo com a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, que se opunha à exploração de petróleo na foz do Rio Amazonas. Mas Lula era a favor.
Quatro interlocutores do presidente do Senado disseram ao Estadão, sob reserva, que ele fez um acordo com Lula: adiou para depois da Conferência do Clima (COP-30) a sessão do Congresso destinada a analisar os 63 vetos presidenciais ao projeto que institui a Lei do Licenciamento Ambiental. O texto foi batizado por petistas de “PL da Devastação” por afrouxar as regras de preservação da natureza.
Em troca de segurar a votação, Alcolumbre teria conseguido com que o Ibama liberasse a exploração de petróleo na Margem Equatorial, uma polêmica que se arrastava há anos.
Sem maioria no Congresso, Lula mostrava preocupação com o calendário, uma vez que não queria abrir a COP-30 da ONU em Belém, no dia 10 de novembro, carregando uma derrota acachapante na Lei do Licenciamento Ambiental. Tanto o Planalto como o senador negam o acordo.
Aliados e adversários de Alcolumbre são unânimes em afirmar, no entanto, que ele é um político teimoso e obstinado. Quando foi eleito senador pela primeira vez, em 2014, após passar pela Câmara, era considerado um integrante do “baixo clero”. Um dia, ao cortar o cabelo no Senado, disse para o barbeiro: “Pode escrever. Serei presidente desta Casa”. Dito e feito.
Apesar de ser conhecido por cumprir acordos, Alcolumbre também joga para a plateia. Foi assim que, em 17 de setembro, criticou a polarização do País e as articulações do deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), dos Estados Unidos, contra o Brasil. “Não dá para eu aceitar todas essas agressões calado”, esbravejou.
Em outro episódio, uma flecha lançada contra os bolsonaristas e o Centrão – que tem o União Brasil como um dos principais expoentes do grupo – despertou as atenções no Congresso.
Líderes de partidos e auxiliares do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), juram que Alcolumbre tinha combinado uma estratégia com ele para o Senado também aprovar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que blindava políticos de investigações. Mas, após a PEC passar pelo crivo da Câmara, a Casa de Salão Azul barrou a iniciativa, que foi alvo de protestos nas ruas. A relação entre Motta e Alcolumbre azedou.
No comando do Senado, Alcolumbre controla a distribuição de R$ 3,8 bilhões em emendas parlamentares de comissão, fora as “extras”, que não são rastreáveis. Além disso, é “dono” de cargos estratégicos – como os ministérios das Comunicações, da Integração e Desenvolvimento Regional e diretorias da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) – e tem um apelido curioso: “Ghost”.
Ghost é porque, quando menos se espera, Davi aparece e depois some. Ele está em todos os locais
Efraim Filho, líder da bancada do União Brasil no Senado
Nos bastidores, há quem diga no Congresso que a alcunha referente a “fantasma” vem dos tempos do orçamento secreto, administrado por Alcolumbre desde o governo de Jair Bolsonaro (PL), quando ele presidiu o Senado pela primeira vez. Seus amigos, porém, têm outra explicação.
“Ghost é porque, quando menos se espera, Davi aparece e depois some. Ele está em todos os locais”, afirma o líder da bancada do União Brasil no Senado, Efraim Filho (PB).
Aos 48 anos, Alcolumbre não sai do apartamento que ainda mantém em Brasília sem beijar a Mezuzá – pequena caixa que contém um pergaminho com passagens bíblicas judaicas –, instalada no batente da porta. Sempre faz uma oração antes de entrar e sair de casa e, se esquece do ritual, volta para cumpri-lo.
Supersticioso, ele também fixou a “Mão de Deus” na porta da Residência Oficial do Senado. O talismã é símbolo de proteção contra mau olhado e energias negativas.

Na Praça dos Três Poderes, Alcolumbre é visto como um dos políticos que têm melhor relacionamento no STF. Mesmo contrariando discípulos de Bolsonaro – de quem foi aliado – , o senador garante que não pautará para votação nenhum projeto de anistia a golpistas nem impeachment de magistrados. Chegou até a negociar com uma ala da Corte a proposta de reduzir as penas dos condenados do 8 de Janeiro em troca do engavetamento do projeto de anistia geral para todos os réus.
A mudança de Alcolumbre impressiona até seus pares. De avalista do governo Bolsonaro em um passado não muito distante, ele virou uma espécie de fiador do STF e da gestão Lula, sobretudo na economia.
O movimento do presidente do Senado a favor de Pacheco conta com o apoio dos ministros Gilmar Mendes, Alexandre de Moraes, Flávio Dino e Cristiano Zanin, que não gostariam de ver Messias na Corte.
Menos de 24 horas depois da conversa entre Lula e Alcolumbre, porém, o líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), deu como favas contadas a escolha do advogado-geral da União para compor o STF. Os defensores de Pacheco protestaram.
“O presidente já está com a convicção firmada e não acho que Alcolumbre vá segurar a apreciação do nome indicado por ele”, disse Wagner. Em 2021, quando comandava a CCJ, Alcolumbre travou por mais de quatro meses a sabatina de André Mendonça, o escolhido por Bolsonaro para o STF, porque queria emplacar na Corte o então procurador-geral da República Augusto Aras.
As declarações de Wagner foram interpretadas por Alcolumbre como uma reação do PT para inviabilizar a candidatura de Pacheco ao STF. O tempo fechou. Depois disso, o presidente do Senado fez questão de destacar, a portas fechadas, que não ajudará Messias a obter votos.
Em tom pacificador, Pacheco acenou, então, para a possibilidade de disputar o governo de Minas, como quer Lula, mas, antes, precisa mudar de partido.
“É muito importante, nesse processo eleitoral de 2026, que haja opções em um campo democrático para a evolução de Minas Gerais”, argumentou o senador. “Minas precisa retomar o papel de protagonismo nacional”.
Foi, na prática, uma indireta ao ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, que é presidente licenciado do PSD mineiro.
Pacheco, Alcolumbre e Silveira estão rompidos. O atrito começou com uma disputa de poder e influência, que incluiu cargos em agências reguladoras e chega agora às eleições de 2026.
Pré-candidato ao Senado, Silveira incentivou a filiação do vice-governador do Estado, Mateus Simões, ao PSD – a ser consumada nesta segunda-feira, 27 – para que ele concorra à sucessão de Romeu Zema. Pacheco ficou isolado.
No encontro do Alvorada, Alcolumbre relatou essa situação a Lula, que precisa de um palanque forte em Minas –segundo maior colégio eleitoral do País – para sua campanha a novo mandato. O presidente se comprometeu a resolver o imbróglio.
O jantar com “pastelão”, como definiu o próprio Alcolumbre, também teve momentos de piada quando Lula quis saber como o senador conseguiu perder quase 20 quilos. “Foi Mounjaro”, respondeu ele, numa referência à caneta emagrecedora.
Na lista de assuntos palpitantes sobre Alcolumbre consta até mesmo que ele distribui não só emendas, mas também essas canetas para agradar aos aliados acima do peso. Parece folclore, mas não é.
