27 de outubro de 2025
Politica

Oferta de Lula a Trump sobre Venezuela é previsível, mas irrealista

A reunião entre os presidentes Lula e Donald Trump em Kuala Lumpur, na Malásia, neste domingo, 26, foi um passo importante e muito bem-vindo para a normalização da relação entre Brasil e Estados Unidos. Ainda que em termos genéricos, os dois falaram de outros temas além dos comerciais e econômicos. Lula defendeu a atuação da Justiça brasileira na condenação do seu antecessor Jair Bolsonaro por tentativa de golpe de Estado e classificou as sanções americanas aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) como injustas. O brasileiro também levantou a questão da Venezuela, que está sob ameaça de uma intervenção armada ou algo próximo disso por parte dos Estados Unidos — oficialmente para “desmantelar” atividades ilícitas, leia-se narcotráfico, mas mais provavelmente com o objetivo de pressionar pela queda do ditador Nicolás Maduro.

Encontro entre os presidentes dos Estados Unidos e do Brasil, Trump e Lula, em Kuala Lumpur, na Malásia.
Encontro entre os presidentes dos Estados Unidos e do Brasil, Trump e Lula, em Kuala Lumpur, na Malásia.

Lula, segundo o chanceler Mauro Vieira, se ofereceu a Trump para “ser um contato, ser um interlocutor, como já foi no passado, com a Venezuela para se buscar soluções que sejam mutuamente aceitáveis e corretas entre os dois países”. Ou seja, volta à cena o Lula mediador de conflitos e tensões internacionais, papel que ele almeja para si desde o início de seu terceiro mandato.

A oferta de ajuda é previsível e, em grande medida, justificada. Se existe um espaço geopolítico onde o Brasil — e Lula — teria capacidade de fazer a diferença em termos de promoção da paz, esse lugar é a América do Sul. Não interessa em nada para o Brasil que ocorram tensões militares na região ou que os Estados Unidos reativem sua longa tradição de intervenções nos países do nosso entorno. A instabilidade política na vizinhança tem tudo para transbordar para o Brasil de diversas formas. A mais evidente seria uma nova onda de refugiados. Além disso, se a credibilidade internacional da América do Sul é abalada, a do Brasil perde força por tabela.

A Venezuela chavista é uma fonte de instabilidade na região desde o princípio. O radicalismo de Hugo Chávez, que assumiu o poder em 1999 e o deixou apenas ao morrer, em 2013, rendeu muita dor de cabeça ao Brasil. Um dos pontos sensíveis sempre foi a relação com os Estados Unidos. Chávez se comportava como um cachorro louco diante do que chamava de “imperialismo yankee”. O presidente brasileiro Fernando Henrique Cardoso (FHC) atuava para contê-lo, e os americanos muitas vezes recorriam a essa ajuda.

Certa vez, em abril de 2001, segundo o relato do ex-chanceler Celso Lafer, o então presidente americano George W. Bush (2001-2009), em conversa com FHC, disse que estava preocupado com a participação de Chávez em um encontro de cúpula no Canadá. Bush temia que o venezuelano pudesse causar confusão ou fazer grosserias. Cardoso defendeu a presença de Chávez no evento e prometeu a Bush conversar com o venezuelano. De fato, procurou Chávez e pediu que ele pegasse leve em seu discurso. O venezuelano concordou e combinou que, se começasse a se exceder em sua fala, FHC faria um gesto com a mão para alertá-lo.

Mas, quando chegou a vez de FHC discursar, foi Chávez quem começou a fazer o tal gesto de pedido de moderação, para fazer troça com o brasileiro.

Em outros momentos mais sérios, o governo brasileiro teve papel vital para conter as tensões entre os dois países. Um deles foi a tentativa de golpe contra Chávez em abril de 2002, com apoio dos Estados Unidos. FHC articulou um repúdio regional ao golpe, em grande parte para reafirmar o princípio de não intervenção dos Estados Unidos nos assuntos dos países sul-americanos. Se ocorresse com um, poderia acontecer com outros.

Nos dois primeiros mandatos de Lula, que deu respaldo tácito à escalada autoritária de Chávez nos anos seguintes ao golpe fracassado, a diplomacia petista compreendeu que poderia usar sua suposta capacidade de conter o radicalismo chavista como um trunfo nas relações com os Estados Unidos. Era uma forma de Lula se mostrar útil e necessário para os americanos. Mas eram outros tempos, outras circunstâncias.

A Venezuela disputava com o Brasil um papel de liderança na América Latina. Chávez usava seus petrodólares para cobrar de governos apadrinhados uma postura de enfrentamento com os Estados Unidos. Apesar de tudo isso, bem ou mal existia uma interlocução positiva dele com Lula. Chávez não era realmente controlável, mas podia ser influenciado até certo ponto.

Tudo o que os americanos queriam era que basicamente que ele parasse de dar problema. Agora já não existe nada disso. Nada que sugira que a diplomacia lulista seja capaz de mediar tensões com o país.

A Venezuela de Nicolás Maduro perdeu sua influência regional e se isolou, sendo preterida até mesmo por governos de esquerda, como o Chile de Gabriel Boric. Lula já fracassou de forma retumbante em uma tentativa recente de pressionar Maduro a fazer concessões: foi quando o Brasil se colocou como fiador de eleições livres e justas no país, no ano passado.

Maduro roubou o pleito descaradamente, ignorando os protestos tímidos do Brasil. O venezuelano luta pela sobrevivência política e se apega aos instrumentos que lhe restam para isso, como a repressão violenta da oposição, a lealdade das corrompidas forças armadas e apoio da Rússia.

Por fim, e mais importante do que tudo, a verdade é que Trump não precisa de mediadores para lidar com a Venezuela se o seu objetivo é a queda de Maduro. No atual momento, o presidente americano parece decidido a usar a ameaça da força bruta como meio de persuasão. Porém, quando quiser abrir canais de diálogo, o americano o fará diretamente, sem rodeios e sem intermediários, como já demonstrou nas tratativas com o ditador russo Vladimir Putin ou, no primeiro mandato, com o norte-coreano Kim Jong-Un.

A disposição de Lula de se apresentar como possível mediador de conversas entre Trump e Maduro serve mais como sinalização da preocupação do governo brasileiro com a escalada militar nos mares da Venezuela do que como uma oferta realista de resolução de conflitos.

 

 

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