A corrupção e seus efeitos: o caso brasileiro
A história da civilização brasileira é rica em dados para justificar o fenômeno da corrupção em alta escala no Brasil. Conhecer a história dessa rica nação, entretanto, por si só, não se apresentará suficiente para entender o grave fenômeno sem as perspectivas sociológica, econômica e jurídica. Conhecer a raiz da corrupção brasileira faz exsurgir a cultura e identidade de seu povo.
É fato comprovado que a colonização do Brasil foi a colonização de exploração. Desde o primeiro momento em que o Brasil foi descoberto pelos portugueses, o propósito foi claro e bem definido: explorar as riquezas naturais abundantes encontradas em um imenso solo fértil e tropical. Os ciclos econômicos foram bem destacados- extração do pau-brasil, da cana de açúcar e criação de gado, café, minérios e, também, o tráfico humano consistente no intenso comércio de negros africanos, que aqui foram escravizados por mais de trezentos anos.
O Brasil foi dividido em imensas glebas territoriais denominadas capitanias hereditárias, que foram “doadas” a donatários eleitos dentre integrantes da baixa nobreza lusitana. Em verdade havia um empréstimo sui generis porque a propriedade permanecia em favor da Coroa, mas assistia aos donatários o direito de transmiti-las por herança. Foram 15 glebas divididas entre 12 donatários, seguindo o modelo anteriormente testado por Portugal por ocasião da colonização das Ilha da Madeira, Cabo Verde e Açores. O que talvez não tenha sido sopesado devidamente, à época, é que esse modelo não poderia ter sido adotado na sua integralidade face a distância expressiva que separava a colônia brasileira de sua metrópole, assim como incomparável o tamanho do Brasil com as pequenas terras colonizadas pelos portugueses.
Erraram também em não terem previsto que apesar dos atrativos deferidos aos donatários com glebas enormes de terras, abundantemente produtivas, considerando a terra o maior produto econômico daquele período histórico e o pagamento de, apenas, 10% à Metrópole do que ali fosse extraído, o ambiente era inóspito diante dos constantes ataques indígenas, das intempéries do clima tropical para o nativo europeu e, principalmente, da completa ausência de serviços públicos essenciais, que deveriam ter sido implementados por Portugal. Daí defluí que o interesse era obter proveito econômico a custo zero, lançando a sorte os aventureiros que poderiam ser vencedores, ou não, no propósito exploratório. Não havia um plano de povoamento, de incentivo ao crescimento humano. Muito pelo contrário: houve um ataque abissal aos índios nativos, ora suprimindo lhes a vida, ora a liberdade, além da forçosa catequização pelos jesuítas com a imposição da cultura branca europeia, uma miscigenação abrupta e forçada, um modus vivendi novo, dentro da suposta hierarquia racial exitosa pela força, pelo poder. Portugal não optou em distribuir terras entre pequenos agricultores, de modo a torná-las produtivas, fomentando o crescimento do país. Efetivamente, o propósito não foi a colonização de povoamento.
Como já havia de se esperar, o projeto audacioso relegando a, apenas, 12 donatários o poder-dever de explorar o Brasil nas 15 grandes glebas territoriais não foi bem-sucedido. Vários abandonaram a terra por constantes saques indígenas, falta de estrutura absoluta, e alguns sequer se deslocaram efetivamente para as terras brasileiras, a exceção das capitanias hereditárias de São Vicente e de Pernambuco, consideradas exitosas. Implantou-se o Governo-Geral com o objetivo de dar seguimento ao propósito exploratório fomentando o que já tivera sido admitido entre os donatários, que era o desmembramento de suas terras em faixas menores, a título de arrendamento, como forma de aumentar o interesse pela região face o lucro com a terra.
De outra feita, em nenhum momento se procurou identificar as qualidades pessoais dos “outros chefes”, já que, como ressaltado, ter uma terra era a maior riqueza, naquele período do Brasil agrário. Assim, era indiferente para a metrópole quem era o sesmeiro, desde que o entendimento direto com o donatário ou governador-geral fosse realizado, respeitados os repasses percentuais necessários e o pagamento de impostos. Tentou, no entanto, limitar a extensão territorial das sesmarias sem estabelecer controle hábil, se afigurando risível a determinação diante do flagrante descumprimento das normas.
Conhecer a própria história propicia conhecer a identidade para, a partir daí ser possível realizar o processo de mudança. A história brasileira deve ser divulgada, debatida e ter sobre ela o olhar sociológico nas rotas do passado para novos rumos serem traçados nos presente e futuro.
E a corrupção?
Em todo o momento histórico no Brasil ela aparece. As trocas constantes dos setores econômicos com setores políticos, dos setores políticos entre si, amplamente voltados a si próprios, é uma linha horizontal na cultura e história brasileiras. Não foi o partido político “x” ou “y”, quiçá as denominadas esquerda, direita ou centrão que inovaram apresentando o germe corrosivo da corrupção.
O Ordenamento jurídico eficaz é aquele que, a par da eficácia jurídica alcançada pela imperatividade da norma, também possui eficácia social. Ingressar no ordenamento social modificando a realidade cultural, consideramos ser essa a maior funcionalidade do Direito.
O que o Brasil perde com a corrupção?
O Brasil perde muito, muito mais do que possamos imaginar, uma vez que a corrupção é considerada um dos pontos que afasta investidores internacionais em solo nacional, militando contra os crescimentos industrial, agrário, tecnológico, principalmente, além do incomensurável prejuízo no desenvolvimento das políticas públicas em favor de toda uma sociedade. Todos perdem!
A história do Brasil, na temática da corrupção, merece ser relembrada para que possa ser entendido como tudo começou e se desenvolveu. A partir daí poderemos cortar o elo cultural, sobretudo, de “naturalizar condutas indesejáveis no plano da corrupção”, apesar dos esforços hercúleos da Justiça e do ordenamento jurídico em quebrar esse famigerado ciclo vicioso. O compromisso é de todos e os canais tecnológicos de amplo acesso à comunidade deve ser instrumento hábil não só para denúncias, mas para o acompanhamento, a fiscalização de projetos e contas públicas. Sejamos cidadãos participativos irmanados na luta contra a corrupção para um novo Brasil.
Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Esta série é uma parceria entre o Blog do Fausto Macedo e o Instituto Não Aceito Corrupção. Os artigos têm publicação periódica.
