Mísseis, embarcações, defesa do litoral: a reforma dos fuzileiros navais e a nova ameaça ao Brasil
Após dez ataques a embarcações que deixaram 43 mortos desde que Donald Trump resolveu matar narcotraficantes que se dirijam com cocaína em direção ao Estados Unidos, analistas militares começaram a alertar que os cartéis da droga podem transferir parte de suas rotas dos portos do Caribe colombiano e venezuelano para a costa atlântica do Brasil.
Esse movimento teria um duplo sentido: a busca de novos mercados na Europa e na Ásia ao mesmo tempo em que procura driblar a vigilância da Marinha dos EUA no Caribe e na costa pacífica da Colômbia. Por esse raciocínio, os traficantes dos dois países e do Equador poderiam usar rotas terrestres em direção a Roraima e à bacia do Amazonas.
Há muito que analistas, como o major do Exército Frederico Salóes, alertam para a forte conexão existente entre as rotas da droga no Atlântico Sul e as organizações terroristas que atuam no Sahel, na África, fazendo a escolta e o transporte do entorpecente até os mercados consumidores da Europa e do Oriente Médio. Estima-se que um terço da droga que chega a esses mercados passe pelas rotas do Sahel.
É no contexto em que o Brasil pode ver ações americanas serem deslocadas para as proximidades de suas águas territoriais, o que aumenta a importância de um movimento feito pela Marinha do Brasil: a reestruturação do Corpo de Fuzileiros Navais, com a chegada dos mísseis Mansup e Max 1.2 AC, a criação de cinco batalhões de operações litorâneas e a reestruturação das operações ribeirinhas, bem como da Defesa Nuclear, Biológica, Química e Radiológica (NBQR), com unidades no Rio, em Aramar (SP) e em Brasília.

O Corpo de Fuzileiros Navais é composto exclusivamente por voluntários aprovados por concursos públicos. Seu efetivo é de 17.273 homens. A decisão de reestruturá-lo nasceu em 2019 após um encontro do qual participaram representantes de dez corpos de fuzileiros de outros países, como EUA, França, Reino Unido, Itália, Colômbia, Alemanha e Taiwan.
A reestruturação começou em 2023 e deve ser concluída até o começo de 2026. Quem a explica é o almirante de esquadra Carlos Chagas Vianna Braga, comandante do CFN: “Trata-se de uma reestruturação em quatro vertentes: anfíbia, ribeirinha, litorânea e proteção NBQR. Os litorais têm crescido de importância e recebido especial atenção dos Fuzileiros Navais em todo o mundo. A capacidade de influir no mar, a partir da terra, tem se mostrado fundamental para as Marinhas. No Brasil, com a sua situação geoestratégica, vocação marítima e enormes riquezas, a capacidade de atuar nos litorais mostra-se ainda mais essencial.”
A Marinha vai manter as capacidades anfíbias, expedicionária e de pronto emprego da tropa. Além disso, a formação de seus homens mudou em busca da automação e do uso da inteligência artificial. Uma das alterações mais importantes foi a transformação do antigo Comando da Tropa de Reforço em Comando da Divisão Litorânea (ComDivLit). Ele contará com cinco Batalhões de Operações Litorâneas, baseados em Rio, Santos, Rio Grande (RS), Salvador e Natal, com capacidade expedicionária para serem transportados por meios marítimos, aéreos e terrestres.

Além disso, a vertente litorânea do CFN contará com o míssil antinavio Mansup. A ativação da primeira bateria litorânea aconteceu no dia 14 de outubro. Ele será disparado por plataformas do sistema Astros, que podem ser deslocadas por navio, avião ou terra para qualquer parte de nosso litoral dentro da estratégia de negação de área/antiacesso adotada (A2/AD) pela Força Naval. Os testes de lançamento do míssil foram feitos em 17 de dezembro de 2024.
Até então, o novo míssil da Marinha equipava apenas as fragatas da Armada. Foi em março deste ano que o CFN provou o transporte por via aérea das baterias Astros até o Ceará. O equipamento também pode ser transportado pelo mar e por terra. E, para a Marinha, ele aumenta muito a capacidade de dissuasão da Força. Ainda mais quando a versão com alcance de 200 quilômetros estiver operacional, o que pode ocorrer já em 2026.
Uma semana depois de ativar sua bateria de mísseis, a Marinha avaliou no dia 22, no campo de provas de Marambaia, no Rio, suas novas Embarcações de Desembarque Litorâneo, com a capacidade de levar tropa do mar para a terra e da terra para o mar.

Trata-se de equipamento de produção nacional, feito a partir de um projeto do CFN. A embarcação pode conduzir tropas (até 13 militares), fazer patrulhas, abordagens, apoio de fogo e até resgates e ajuda humanitária em catástrofes ambientais. Tem uma metralhadora calibre .50 e duas metralhadoras calibre 7,62, além de rampa na proa para desembarque. E atinge velocidade superior a 40 nós (75 km/h).
Já a vertente ribeirinha do CFN foi transformada em Comando da Divisão Ribeirinha (ComDivRib), com três batalhões de operações ribeirinhas – em Ladário (MS), Belém e Manaus, enquanto a de Proteção NBQR contará com batalhões no Rio, em Brasília e na Base de Aramar, no interior paulista.
A quarta divisão, a anfíbia, conta com a aquisição do navio HMS Bulwark, podendo transportar carros de combate e veículos anfíbios. Para testar essa capacidade, a Força Naval fez ainda a Operação Atlas Dragão, com três navios anfíbios e testou o desembarque e o tiro de artilharia em Itaoca (Espírito Santo).

Drones e blindados que disparam mísseis anticarro e novo míssil mar-ar
Impulsionada pela troca de experiência com outros países e pela situação geopolítica, a Marinha e seu Corpo de Fuzileiros buscam recuperar o atraso que ameaça a Defesa Nacional. Ela está de olho nos recursos que o Senado aprovou para investimentos em Defesa fora do teto – R$ 30 bilhões em seis anos. Quer soluções baratas, como os drones usados na Ucrânia. E está desenvolvendo projetos para o uso de drones militares kamikazes e expedicionários para infantaria, vigilância, ataque e reconhecimento.
Mas não só. Um dos objetivos do CFN é lançar o míssil anticarro Max.1.2 a partir de drones QX2 e de viaturas GM Defense, criando assim um sistema expedicionário para sua tropa, que passou a contar com um esquadrão de drones táticos. Ela procura agora reformular seus obuseiros de 155 mm, a defesa antiaérea de baixa altura e sua companhia de carros de combate. E quer ainda um substituto para seus mísseis Mistral, o que pode sair do projeto Mansup, que já conta até com um nome: seria o Marsup.
Tudo isso pode parecer ainda pouco para as dimensões do litoral brasileiro – 7 mil quilômetros. À capacidade antinavio, ainda seria necessário acrescentar a defesa antiaérea e um míssil tático de cruzeiro, bem como aeronaves capazes de dispará-los. Só assim o País começaria a garantir, minimamente, a execução de uma estratégia antiacesso/negação de área. Mas em uma área sacudida por crises, a reestruturação do CFN parece apontar para um caminho diferente daquele que a Defesa frequentou nos últimos anos. De fato, não é pouco.
