‘Mina de ouro vitalícia’? Como ‘donos’ de cartórios geram ganhos milionários para o resto da vida
BRASÍLIA – No Brasil, os cartórios são serviços públicos operados pela iniciativa privada por meio de concessões. Com isso, os titulares desses órgãos, também conhecidos como delegatários, acumulam ganhos milionários, acima do teto do funcionalismo público, para realizar tarefas essenciais como emitir certidões de nascimento ou casamento.
A reforma administrativa em discussão no Congresso pretende alterar várias estruturas relacionadas ao funcionamento dos cartórios, como a fixação de um valor fixo dos emolumentos em todo o País e um teto remuneratório para os novos titulares.

Além disso, os excedentes da arrecadação dos cartórios devem ser destinados para fundos de manutenção dessas estruturas em vez de se converterem em lucro. Outro ponto importante é que a concessão deixa de ser vitalícia e os donos de cartórios terão de deixar o cargo aos 75 anos.
A Constituição federal exige que os titulares, que são como os donos dos cartórios, sejam selecionados em concurso público. Mas essas pessoas não são consideradas funcionários públicos e não estão sujeitas ao teto do funcionalismo. Esses delegatários recebem em média R$ 156 mil por mês. Em locais como o Distrito Federal, essa média pode superar R$ 500 mil.
Apesar de a Constituição proibir donos de cartórios sem aprovação em concurso público, existem ainda hoje alguns titulares biônicos, que foram indicados por governadores. Dados reunidos em um processo judicial em tramitação no Tribunal de Justiça de Minas Gerais mostra que ao menos neste estado mais da metade dos cartórios, 276 dos mais de 500 existentes, continua liderada por pessoas indicadas pelo governo na década de 90.
Um levantamento de 2008 realizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão que fiscaliza o setor no País, identificou que menos de 37% dos titulares dos mais de 13.500 donos de cartórios eram concursados naquela época. O CNJ não realizou novos levantamentos desde então.
O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que é inconstitucional o exercício da titularidade de cartório sem concurso público e validou normas do CNJ que declararam vagos cartórios cujos titulares não tenham sido admitidos corretamente. Essas decisões impediram a ocorrência da prática de transmissão hereditária da titularidade dos cartórios.
Mas, em compensação, os titulares ainda podem empregar seus parentes ou amigos como escreventes ou oficiais já que é sua prerrogativa contratar a equipe do cartório.
O único requisito para ser escrevente, que é a espécie de braço direito do titular, é a escolaridade, sendo obrigatório apenas o ensino médio completo. Então, por mais que a titularidade não seja herdada, a família inteira pode se beneficiar quando um parente se torna dono de cartório.
Somente no primeiro semestre deste ano a arrecadação em todo País foi de R$ 13 bilhões, de acordo com o CNJ. Em 2024, a arrecadação média por cartório foi de 2,7 milhões com lucro de 758,6 mil por unidade, conforme dados reunidos no âmbito da reforma administrativa.
