29 de outubro de 2025
Politica

Traficantes mortos no Rio serão facilmente ‘repostos’ para crime continuar a operar

O economista ultraliberal americano Milton Friedman era a favor da liberação irrestrita do uso de drogas. Considerava que todo o esforço bélico do Estado para dizimar o tráfico não conseguia inibir o consumo e gerava uma espiral de violência quase incontrolável. “Colocamos milhares de jovens na prisão, jovens que deveriam estar se preparando para o seu futuro, não sendo afastados da sociedade. Além disso, matamos milhares de pessoas todos os anos na América Latina (…). Nós proibimos o uso das drogas, mas não podemos garantir que elas não sejam de fato consumidas”, disse. Os até agora 120 mortos pelos conflitos no Rio de Janeiro seriam uma espécie de evidência empírica do raciocínio do economista, laureado com o prêmio Nobel de economia em 1976.

Identificado com o pensamento econômico de direita, Friedman é discípulo de autores como Adam Smith, do século 18. Ou seja, para eles, existe uma grande lei que rege todas as sociedades e nem mesmo o Estado, com toda sua força policial-burocrática, consegue alterar: a lei da oferta e da procura. No caso das drogas, a demanda gera uma espécie de oferta radical, no sentido de que há milhares de pessoas dispostas a matar ou morrer para entrar neste mercado lucrativo.

Corpos de mortos na megaoperação no Rio de Janeiro
Corpos de mortos na megaoperação no Rio de Janeiro

Na prática, as 120 pessoas que morreram nos conflitos do Rio tinham suas ocupações. Suponhamos que 100 sejam traficantes. Eles serão repostos rapidamente para que o mercado continue a operar. E quanto mais o Estado atua na repressão, maiores ficam os preços do produto ilegal e, paradoxalmente, maior a atratividade financeira do negócio. Organizações como o PCC e o Comando Vermelho se espraiam por diversos ramos da economia brasileira, porque a matriz de negócios com a qual lidam gera uma enorme quantidade de recursos que, para serem “legalizados”, precisam integrar-se em outros setores.

A questão das drogas é multifatorial. Podemos dizer, resumidamente, que traz duas consequências devastadoras. Uma delas é a violência explícita. A outra é afetar a saúde dos consumidores. São milhões de famílias que sofrem por conviver com usuários diariamente.

Como hipótese, uma suposta liberação dos narcóticos, nos moldes defendidos por Friedman, eliminaria um dos problemas: o da violência das facções contra o Estado. As consequências letais do uso da droga seriam uma questão de saúde pública e privada. Vários países do mundo têm ido por esse caminho e começaram a liberar as drogas leves, caso dos Estados Unidos, onde a maconha é vendida em lojas que parecem estabelecimentos de grife. Tiveram ganhos de arrecadação, formalizaram áreas antes ilegais. Porém, há registros de aumento de doenças ligadas ao uso de entorpecentes, como os surtos psicóticos. Talvez ainda seja cedo para conclusões definitivas sobre os custos e benefícios do modelo.

Há também a complexidade das drogas pesadas, como as derivadas de opioides. Com alto potencial viciante e capazes de matar o usuário em poucos meses. Como grandes corporações iriam entrar neste mercado? E, além de tudo, há a questão da opinião pública: no Brasil, por exemplo, de acordo com pesquisa Datafolha de março do ano passado, 67% dos brasileiros são contra a descriminalização da maconha. A questão está longe de ser vista de maneira econômica ou de organização da sociedade, mas segue um problema tido como moral.

Para sermos realistas, a tentativa de reduzir a questão das drogas à saúde, deixando de lado o crime, está longe de se tornar factível no Brasil. Por outro lado, continuaremos a ver todos os dias o tráfico a comandar suas operações e as polícias nas suas atividades de enxugar o gelo, com todos os mortos e presos que estarão no meio do caminho. Os usuários, por sua vez, seguirão sofrendo com as consequências tanto do vício como da violência, assim como as milhões e milhões de pessoas que nunca experimentaram uma droga ilegal na vida e arriscam – a depender de onde vivem ou trabalhem – de tomar uma bala perdida de um fuzil ou de uma metralhadora.

 

 

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