A aritmética da morte é inimiga da segurança
A operação do governo do Rio de Janeiro contra o Comando Vermelho, em 28 de outubro, terminou como a mais letal do país. O número oficial é 119 mortos, incluindo policiais, e pode chegar a 132, segundo órgãos de controle, superando o Carandiru. Moradores carregaram corpos até uma praça na Penha, aulas foram paralisadas e ônibus deixaram de circular.
Quando o Estado adota a gramática da guerra, o saldo é previsível: corpos nas ruas, serviços públicos interrompidos e comunidades aterrorizadas. O crime, por sua vez, responde com mais armas e a espiral se retroalimenta. Letalidade não é indicador de eficiência; é sintoma de fracasso e a certeza de novas tragédias.
Operações de enfrentamento às facções precisam de uma régua distinta: inteligência de qualidade, captura de lideranças e redução objetiva da capacidade operacional dessas facções.
Além disso, é necessária transparência sobre a dinâmica e circunstâncias das ações, número de mortos, feridos, presos e apreensões, momento em que a atuação da pericia oficial é imprescindível, realizando exames de local, necropsias, ensaios balísticos e de DNA, com cadeia de custódia preservada. Sem esses elementos científicos, versões falarão mais alto que fatos.
A integração entre forças policiais é indispensável — municipal, estadual e federal — com a polícia científica junta à mesa estratégica. A asfixia financeira ao crime também é necessária, mas isolada não resolve. A métrica que importa deve combinar politicas públicas eficientes, presença do Estado, queda de domínio territorial, prisão de quadros dirigentes e estrangulamento de fluxos operacionais.
A PEC 18/2025, a PEC da Segurança, pode, se aperfeiçoada, ser um caminho. A proposta tem méritos ao olhar para a integração das forças policiais, constitucionalizar o SUSP, estabelecer responsabilidades para a União e viabilizar alguma constância para aplicação de recursos financeiros Oferece um desenho de integração importante para o país. Mas erra feio ao ignorar o emprego de ciência e tecnologia no combate ao crime e na qualidade e imprescindibilidade da prova.
Em um grave equívoco, a PEC ignora a atuação das polícias científicas como estrutura de segurança pública e deixa de assegurar a autonomia técnica, cientifica e funcional desses órgãos. Sem esse relevo constitucional, perde-se a chance de modernizacao efetiva de politicas de segurança publica baseada em evidencias e de aumento na taxa de resolução de crimes, a prova se enfraquece e tem sua confiabilidade reduzida.
Há, todavia, conserto ao alcance. Avança no Congresso emenda que inclui as polícias científicas na Constituição, com apoio de 178 parlamentares. A medida fortalece a prova científica, impulsiona o emprego integrado de bancos de dados e estimula um maior desenvolvimento cientifico na área, um passo necessário para trocar a retórica bélica por resultados verificáveis.
O Rio — e o Brasil — precisam virar a página da aritmética da morte. O uso de ferramentas científicas para o controle e rastreabilidade de armas e drogas, o enfrentamento da corrupção que lubrifica o crime e o combate à infiltração das facções e das milícias no poder público devem integrar um plano com metas públicas. Só assim a segurança deixará de ser espetáculo de violência e se tornará política eficiente de Estado. Sem ciência, integração, metas definidas e responsabilidade, seguiremos empilhando cadáveres e chamando isso de vitória.
