31 de outubro de 2025
Politica

Encontro com o real

Visitar a China causa um choque de realidade. Como é que um país com a dimensão territorial do gigante asiático e com uma população de um bilhão e quinhentos milhões de pessoas consegue atingir um nível de progresso que nos deixa aturdidos?

Acredito, como observador modesto e jejuno, que a explicação está no caráter chinês. Confucionismo e taoísmo, ambos milenares, formaram a têmpera de um povo resiliente. Que não teme o trabalho. Que enfrenta as adversidades. Que tem plena consciência de que vontade, foco e determinação produzem milagres.

Sim, é um milagre constatar que em conurbações imensas, maiores do que a maior cidade brasileira – a nossa São Paulo – não têm problema de limpeza. Ruas rigorosamente limpas. Não há papel no chão, nem montículo de lixo em cada reentrância dos logradouros públicos. Há, sim, muito verde. Todos os espaços cobertos de vegetação multicolorida, com predomínio da primavera, a buganvília que ornamenta as bordas de viadutos, de pontes, de avenidas e de todas as elevações na cidade de Shenzen, por exemplo.

É uma cidade inteiramente eletrificada em sua mobilidade. Silencioso trânsito de automóveis e ônibus, com acréscimo de milhões de motos, lambretas e outros veículos desse gênero, que circulam por ruas e também calçadas. Todos se servem deles: mulheres, inclusive idosas. Mães com dois filhos, um à frente, outro à garupa. Tudo a funcionar com base na convicção de que a responsabilidade é de cada um, não do governo.

Antes dos direitos individuais, convertidos em bandeira egoística, os chineses praticam o reverso: os deveres. As obrigações. As responsabilidades. Sabem que uma sociedade se constrói mediante atuação e protagonismo de cada um. Não esperam que tudo “caia do céu” e que o poder público se encarregue de propiciar atendimento a todas as vontades. A China, pela minha observação, pratica o princípio da subsidiariedade, que parece esquecido em nossa terra.

Voltei de uma permanência de dez dias na China, com inveja do povo chinês. Suas UREs, Unidades de Recuperação Energética, parecem mais um laboratório de experiências físico-químicas do que um lugar onde o lixo é transformado em energia. Fiquei pasmo ao constatar que já não existe aquilo que em nossa Pátria é tão abundante que assusta: o excesso de resíduo sólido, fruto de nosso viciado consumismo. Somos a terra do desperdício e da incapacidade de destinação correta daquilo que desperdiçamos.

O convívio do histórico, do tradicional, com as mais avançadas tecnologias, evidenciam que o povo chinês sabe conciliar o respeito às tradições mas não hesita em adentrar no terreno da ciência pura e de sua aplicação para aprimorar o convívio entre os habitantes daquela imensidão. O bilhão e meio de almas que respeita os antepassados, que vive a disciplina pessoal como característica genética, orgulhosa de sua História multimilenar.

Como faz falta uma educação de verdade, que se preocupe não com a memorização de informações, como aqui se faz, mas com o despertar de qualidades sem as quais não há verdadeiro progresso. Progresso não é o desenvolvimento material de que decorrem o egoísmo, a ambição, a competição desenfreada e, infelizmente, o câncer da corrupção. Progresso é formar gerações respeitosas em relação a seus idosos, cônscias de seu compromisso com a História, convictas de que depende de cada um de nós contribuir para melhorar a qualidade de vida para todos. Inclusive para as futuras gerações.

Visitar escolas chinesas e verificar o que ali se vive talvez inspirasse os especialistas em educação, os vendedores de consultoria, os patrocinadores de métodos infalíveis que esbarram na queda de qualidade do ensino e na proliferação de gerações dispersas, desmotivadas, desalentadas e, quanta vez, inúteis para a edificação de uma verdadeira Pátria. Mostraria que a preocupação com a limpeza interna reflete a consciência de que escola é a nossa casa, pela qual respondemos. E que se ela foi construída e é mantida com o dinheiro de todos, maior deve ser a nossa responsabilidade por sua preservação.

Quanto aprendi com a China. Espero continuar a aprender. E anima-me uma discreta esperança de que o incrível progresso que ali se vivencia, traga um pouco de constrangimento aos nossos maiores que se perdem na busca de interesses personalíssimos e se esquecem de que há um povo sofrido a depender de políticas públicas consequentes e consistentes.

 

 

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