31 de outubro de 2025
Politica

Minerais críticos e a autonomia estratégica do Brasil

Está na moda falar de minerais críticos. O termo ganhou força no vocabulário da política internacional quando a China restringiu exportações aos Estados Unidos durante a guerra comercial. De repente, o domínio chinês sobre a produção e o refino de minerais essenciais à indústria de alta tecnologia — como lítio, silício, níquel, terras raras e cobalto — tornou-se evidente, e governos passaram a tratá-los como ativos de segurança nacional. Essa reconfiguração geopolítica deu início a uma corrida global por novas fontes de suprimento, estimulando mapeamentos geológicos, acordos bilaterais e planos de reindustrialização.

Uma cooperação mais intensa com os Estados Unidos na área de minerais críticos pode gerar efeitos colaterais positivos, inclusive para destravar um acordo comercial
Uma cooperação mais intensa com os Estados Unidos na área de minerais críticos pode gerar efeitos colaterais positivos, inclusive para destravar um acordo comercial

O Brasil, com sua abundância mineral, não está alheio a esse movimento. O tema ganhou espaço nas conversas entre Brasília e Washington e tem sido tratado como um dos itens mais promissores do cardápio brasileiro nas negociações para reduzir tarifas. Ao mesmo tempo, o governo tenta articular uma política nacional para o setor por meio do PL 2780/25, que cria a Política Nacional de Minerais Críticos e Estratégicos e a instalação do Conselho Nacional de Política Mineral para assessorar a presidência da República sobre o tema. Ambos ainda estão em estágio inicial, mas com potencial para reposicionar o país em cadeias produtivas de alta tecnologia.

O entusiasmo é compreensível. O Brasil detém cerca de 23% das reservas globais conhecidas de terras raras, atrás apenas da China. Além disso, é o maior produtor mundial de nióbio e possui expressivas reservas de grafite, lítio, cobre e manganês. Esse conjunto de recursos o coloca em uma posição privilegiada no esforço mundial de diversificar a oferta e reduzir a dependência em relação a Pequim. O País não quer apenas atender a demanda global pelos minerais, mas agregar valor a eles. Mas, para transformar esse potencial em autonomia estratégica, será preciso reconhecer os limites da ambição — e aprender com a trajetória dos outros.

O domínio chinês não surgiu por acaso. Foi resultado de mais de três décadas de investimento em pesquisa, formação de engenheiros e desenvolvimento de processos industriais de refino altamente especializados, com custos ambientais elevados. Cada tipo de mineral exige técnicas diferentes de processamento, que variam conforme as rochas e o solo em que se encontram. Construir essa capacidade no Brasil levará tempo e exigirá uma política industrial consistente, com recursos públicos e parcerias internacionais duradouras. A China não compartilhará gratuitamente o conhecimento acumulado.

Além dos custos de desenvolvimento serem altos, os ganhos econômicos também são limitados. O Brasil tem um exemplo relevante: o nióbio. Embora seja o principal produtor mundial e tenha construído competência tecnológica nessa área, o nióbio não tem grande peso na balança comercial do País. O mercado global de terras raras — foco da atual disputa entre Estados Unidos e China — não chega hoje a US$ 10 bilhões por ano, segundo estimativas privadas, valor modesto quando comparado ao comércio de minério de ferro, que supera as centenas de bilhões. Em termos econômicos, portanto, o ferro e outros insumos básicos continuarão sendo muito mais relevantes para o Brasil do que os metais da moda.

Essa diferença explica por que tantos projetos de minerais críticos ainda dependem de forte apoio estatal. Os volumes são pequenos, os custos elevados e a demanda concentrada em setores específicos, como semicondutores e motores elétricos. É um processo complexo, que exige mão de obra especializada, investimentos sérios e arriscados a longo prazo. Os importantes processos de licenciamento também exigem tempo e atenção. Por isso, governos estrangeiros têm oferecido garantias de compra e financiamento público para estimular a produção doméstica.

A oportunidade, portanto, não é tanto econômica, mas sobretudo estratégica: reposicionar o Brasil em relação aos Estados Unidos. Nos últimos anos, a distância entre os dois países cresceu, em parte por divergências diplomáticas, em parte pelo avanço da presença chinesa em setores como infraestrutura e tecnologia. A agenda dos minerais críticos abre uma possibilidade concreta de reaproximação. Trata-se de um campo no qual o Brasil pode oferecer o que os americanos buscam — suprimentos estáveis e diversificação de riscos — e receber o que mais precisa: capital, tecnologia e know-how industrial.

Não se trata de conceder exclusividade a Washington ou limitar o diálogo com Pequim. O interesse nacional está justamente em preservar a autonomia estratégica por meio da diversificação de parceiros. Mas uma cooperação mais intensa com os Estados Unidos nessa área pode gerar efeitos colaterais positivos, inclusive para destravar um acordo comercial que, até recentemente, parecia improvável.

Outros fatores — como a aproximação entre Lula e Donald Trump e a pressão do setor privado norte-americano — também têm contribuído para essa virada positiva na relação bilateral. Os minerais críticos certamente ajudam essa tendência. Que eles permitam, então, um ganho estratégico duradouro para o Brasil.

 

 

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