1 de novembro de 2025
Politica

PEC da Segurança vai ficar mais dura e PF não vai invadir competências de PMs, diz relator

BRASÍLIA – O relator da proposta de emenda à Constituição (PEC) da Segurança Pública, Mendonça Filho (União-PE), está trabalhando para deixar o texto mais duro no combate ao crime e garantir, em suas palavras, autonomia das polícias estaduais em relação ao governo federal. O projeto elaborado pelo governo Lula prevê a não invasão de competências.

Em entrevista ao Estadão, Mendonça Filhou afirmou que pretende incluir no texto assuntos hoje não previstos, como a prisão em segunda instância para crimes graves e o endurecimento nas audiências de custódia para reincidentes.

O relator deve entregar o parecer até 4 de dezembro para que a proposta seja aprovada em plenário e enviada ao Senado neste ano. Ele recebeu nesta quinta-feira,30, um pedido do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), para acelerar a análise do texto.

O senhor se reuniu nesta quinta-feira com o presidente da comissão especial da PEC, Aluisio Mendes (Republicanos-MA), e o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB). O que os senhores conversaram?

Tratamos do cronograma da PEC. O presidente Hugo naturalmente deposita muita relevância para a tramitação da PEC, e pediu para que a gente pudesse acelerar o passo. Minha ideia era apresentar o relatório até 30 de novembro, mas enxugando o número de audiências, fazendo duas audiências por semana, e a gente chegou ao prazo de 4 de dezembro (para a entrega do relatório).

A PEC já foi tratada como “natimorta” quando chegou ao Congresso, e hoje o senhor espera que possa ser aprovada ainda neste ano. O que mudou?

Eu disse que ela era insuficiente, mas que tinha um mérito: ela abriu o debate. Nunca entendi que ela estivesse em um limbo. Ocorre que a opinião pública e a mídia dedicam pouca atenção aos debates. A tramitação da PEC é bastante célere, tendo em vista outras PECs. Em julho, já estava admitida na CCJ, mesmo com a oposição mais à direita, e a comissão especial foi instalada em agosto. São pouco mais de 60 dias para discutir mérito. Chegamos hoje a 21 sessões, de um total de 40. Chegaremos ao dia 4 com 31 sessões. É um prazo razoável para uma proposta que abrange aspectos do funcionamento do sistema de segurança pública, dos operadores, que tem interface direta com o Judiciário, com a execução de penas, com cláusulas de direitos fundamentais versus a proteção da sociedade. É algo complexo, não dá para imaginar que você vai chegar aqui e (só) carimbar.

O deputado federal Mendonça Filho (União-CE) é relator da PEC da Segurança na Câmara
O deputado federal Mendonça Filho (União-CE) é relator da PEC da Segurança na Câmara

O quanto a tragédia no Rio influenciou nessa mudança de ventos?

Eu já tinha uma visão otimista com relação à tramitação. O dever do legislador é aprimorar textos e fazer avançar propostas legislativas. Essa missão de tornar o texto mais denso, profundo, impactante e ousado, eu já tinha me dado. A proposta atual do governo Lula constitucionaliza o texto do governo Temer e agrega alguns aspectos equivocados, como a forte concentração da União, de exclusividade para temas de segurança pública, e não uma legislação concorrente, como historicamente sempre foi. Não faz sentido concentrar em Brasília políticas públicas que devem ser descentralizadas e executadas pelos Estados.

O governo ou a base governista procuraram o senhor para falar da PEC desde a crise no Rio?

Não, não fui procurado pelo governo. Sempre tive diálogo franco com equipe do ministro Lewandowski, e continuo aberto.

O senhor citou que Motta pediu celeridade.

Sim, veio dele, presidente da Casa.

O senhor tem dito que a PEC traz centralização excessiva à União. O governo incluiu um parágrafo justamente para responder ao apelo dos governadores sobre essa preocupação. A quais trechos o senhor se refere?

Quando você diz que cabe à União exclusivamente a legislação de matéria de segurança pública, você está tirando a concorrência dos Estados. Quando você cria um conselho nacional composto pelo governo federal, em que os governos estaduais são minoria, nós nos acostumamos aqui no Brasil com entidades criando leis por meio de portarias. Isso é invasão da competência do parlamento.

O Conselho Nacional de Segurança Pública previsto pelo governo federal prevê a participação de Estados, municípios e sociedade civil.

Mas se o governo federal for majoritário e composto por “amigos”, impondo regras impossíveis? Veja bem, o formato legislativo eu vou dar para garantir a autonomia dos Estados, que é cláusula pétrea. Eu não acredito em poder concentrado em Brasília. Eu não parei ainda para redigir texto, vou fazer isso na segunda quinzena de novembro. Em vez de termos subordinação – que não está expressa no texto, mas acaba existindo –, vai ter um espírito mais cooperativo. Mas não quero fazer disso uma briga política.

A PEC propõe estabelecer política nacional ouvindo os entes federados, assegurar integração com Estados e garantir a não interferência nas competências dos Estados. Não é suficiente?

Se você estabelece uma política pública em que o governador só recebe o recurso (do Fundo Nacional de Segurança Pública) se porventura obedecer essa regra do Conselho Nacional, você não está impondo uma regra de modo indireto? Você está invadindo a competência e a autonomia dos governadores. Para mim, isso traduz uma visão autocrática, que não condiz com o nosso texto constitucional.

Pode nos contar o que pretende fazer com algumas medidas mais específicas da PEC? A constitucionalização do SUSP (Sistema Único de Segurança Pública), as novas atribuições da PF e a nova PRF, por exemplo.

O Conselho Nacional de Segurança Pública pode ser conselho consultivo, com representação dos Estados, mas não pode ter capacidade de produzir resoluções que se traduzem em legislações. Isso é competência do parlamento. Sobre o SUSP, meu espírito é cooperação, compartilhamento de inteligência entre as polícias. Sobre a PF, já fui alertado de que o texto, como está redigido, pode gerar a interpretação de que só a PF pode apurar crimes como, por exemplo, tráfico de drogas. Tem que tornar mais claro que a atuação da PF não é exclusiva no combate ao crime organizado, (vou fazer um) aprimoramento do texto para tirar essa dúvida. Sobre a Polícia Viária Federal, (vejo com bons olhos), mas (a atuação) não pode ser exclusiva (para patrulhar hidrovias e ferrovias). Pode ter também a atuação das polícias estaduais. E tem mais: em crimes de baixa intensidade, por que você precisa ser levado para uma delegacia (para registrar o boletim de ocorrência) e não ter um auto lavrado pela própria PM?

O senhor pretende incluir isso na PEC?

Sim, e que a PM possa realizar investigações preliminares, isso já acontece em alguns Estados. Pretendo abrigar essa possibilidade. Também vou dotar a Constituição de requisitos que permitam maior efetividade no combate ao crime organizado que está adentrando segmentos importantes. Vou incorporar uma ideia que foi dada pelo próprio ministro Haddad (Fazenda), duas semanas atrás, de tornar a Receita Federal um órgão subsidiário na área da segurança pública.

Isso já não acontece na prática?

É, mas se ele pediu é porque há limitações para a atuação da Receita nesse campo. E estou estudando também (incluir) a possibilidade de execução da pena após condenação em segunda instância por órgão colegiado (para crimes graves). Tem outro problema social muito forte, que é a reincidência delitiva. O sujeito é pego vinte vezes e só é colocado em prisão preventiva depois de cometer um crime bárbaro. (Pretendo incluir) o princípio de que a reiteração delitiva impede que você, na audiência de custódia, possa liberar (o suspeito). É uma ideia que quero evoluir. Audiência de custódia virou uma porta giratória, (é) enxugar gelo, e isso desmotiva a atuação policial. Estou colocando as ideias para debater, para ouvir. Não tenho ideia fixa.

Deputados do PL já disseram que vão trabalhar para derrubar essa PEC. O senhor acha possível aprová-la com tamanha resistência? Será preciso fazer concessões para convencê-los?

Nós conseguimos aprovação da PEC na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) com parte dessa bancada se opondo. Mas há um consenso da esquerda à direita de que não dá para continuar como está. Entendo que dá para construir uma proposta que seja consistente e chamar para o debate essas alas mais extremadas do parlamento, que precisam ser ouvidas.

O presidente Hugo Motta se comprometeu a pautar a PEC quando?

Neste ano ainda. Vai para o Senado neste ano.

 

 

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