14 de novembro de 2025
Politica

Dino bloqueia emendas, endurece regras e agora mira Estados e municípios; relembre medidas

Ao tomar posse no Supremo Tribunal Federal (STF) em fevereiro de 2024, o ministro Flávio Dino herdou mais de 300 processos de sua antecessora, Rosa Weber. Entre eles estava a ação que declarou inconstitucional o orçamento secreto, esquema de distribuição paralela de emendas parlamentares durante o governo de Jair Bolsonaro (PL), revelado pelo Estadão. O tema parecia superado, mas voltaria ao centro das disputas orçamentárias nos meses seguintes.

Um recurso apresentado por entidades da sociedade civil denunciou que, mesmo após a decisão da Corte, as práticas do orçamento secreto continuavam, como a falta de transparência dos repasses e o uso massivo das emendas Pix – modalidade que, até então, permitia a parlamentares transferir recursos diretamente a prefeitos e governadores, sem necessidade de definição prévia de como o dinheiro seria gasto.

O fio da meada seria desnovelado em meses de negociações entre os Três Poderes. Ao cabo, foram endurecidas as regras para o pagamento das emendas, garantindo mais transparência e rastreabilidade aos recursos. Novas ações foram apresentadas à Corte, inaugurando outras frentes de atuação de Dino, que concentrou a relatoria dos casos pelo critério da prevenção, um instituto que garante a relatoria de processos similares a um mesmo juiz.

Dino fixou parâmetros de transparência para emendas parlamentares e ampliou regras a Estados e municípios, abrindo novos atritos com o Congresso
Dino fixou parâmetros de transparência para emendas parlamentares e ampliou regras a Estados e municípios, abrindo novos atritos com o Congresso

Em pouco mais de um ano, o ministro endureceu as regras de transparência e rastreabilidade de emendas, suspendeu repasses sob suspeita e condicionou a execução do Orçamento da União a ajustes técnicos. No último mês, estendeu essas exigências também às emendas estaduais e municipais. O Estadão analisou e compilou as principais decisões do ministro no período com o auxílio da ferramenta Pinpoint, do Google.

A ofensiva de Dino, porém, abriu nova frente de atrito com o Congresso, que tenta reagir com projetos para limitar decisões monocráticas e recuperar parte do controle sobre o Orçamento, num embate que tende a se intensificar à medida que o ciclo eleitoral de 2026 se aproxima.

O deputado Chico Alencar (PSOL-RJ) avalia que Dino vem “trazendo moralidade e transparência” à destinação das emendas. Na mesma linha, a deputada Adriana Ventura (Novo-SP) reconhece que as decisões do ministro têm contribuído para o monitoramento do dinheiro público via emendas, mas pondera que “ainda é preciso avançar mais”.

Para o pesquisador da PUC-Rio Bruno Bondarovsky, responsável pela plataforma Central das Emendas, o conjunto de decisões reforça a “moralização” do gasto público, embora não garantam, por si só, a boa aplicação das verbas. “O que o ministro está fazendo é exigir transparência e algum grau de planejamento para a execução da verba pública”, diz.

Marina Atoji, diretora de programas da Transparência Brasil, uma das entidades que notificou Dino sobre a persistência do orçamento secreto, avalia que as decisões representam avanços importantes em rastreabilidade e controle dos investimentos públicos. “Precisamos de mais dados e evidências para mostrar os problemas da eficiência do gasto público”, afirma.

O orçamento secreto, revelado pelo Estadão em maio de 2021, consistiu na distribuição paralela de emendas ao orçamento da União. Por meio das “emendas de relator”, o Congresso ocultou os padrinhos dos repasses, ou seja, os parlamentares que indicaram a destinação da verba.

Ao contrário das emendas individuais, a que todos os congressistas têm direito, o esquema beneficiou a base governista do então presidente Jair Bolsonaro. Em dezembro de 2022, o STF julgou a prática inconstitucional por seis votos a cinco, na ADPF 854, proposta pelo PSOL e pela então ministra Rosa Weber.

STF julga o orçamento secreto inconstitucional em ação relatada por Rosa Weber; com aposentadoria da ministra, processo passa para as mãos de Flávio Dino
STF julga o orçamento secreto inconstitucional em ação relatada por Rosa Weber; com aposentadoria da ministra, processo passa para as mãos de Flávio Dino

Em ofício ao STF, as entidades Contas Abertas, Transparência Brasil e Transparência Internacional relataram a “persistência” do orçamento secreto mesmo após o julgamento. As organizações alertaram que as emendas de relator ainda apareciam no Orçamento de 2023 e que o volume de emendas Pix inviabilizava a rastreabilidade dos repasses.

Ao assumir a vaga deixada por Rosa Weber, em 30 de setembro de 2023, Dino herdou o acervo de processos relatados pela ex-ministra, entre eles a ADPF 854, que tratava do orçamento secreto.

Com base no ofício das entidades, Dino solicitou esclarecimentos ao Palácio do Planalto e ao Congresso sobre possíveis descumprimentos da decisão que derrubou o orçamento secreto.

Congresso foi instado a prestar esclarecimentos sobre suposta 'persistência' do orçamento secreto
Congresso foi instado a prestar esclarecimentos sobre suposta ‘persistência’ do orçamento secreto

Após receber as informações, Dino convocou uma audiência de conciliação entre os Três Poderes, o Ministério Público e órgãos de controle, como a Controladoria-Geral da União (CGU) e o Tribunal de Contas da União (TCU). Em seu despacho, afirmou que “a mera mudança de nomenclatura não constitucionaliza uma prática classificada como inconstitucional pelo STF”, disse Dino. “RP 2, RP 8, ‘emendas pizza’ etc”.

A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) apresenta ao STF uma ação questionando a legalidade das emendas Pix. Segundo a entidade, os repasses careciam de fiscalização adequada e dispensavam vinculação a projeto específico. Pelo critério da prevenção, a ação foi distribuída a Dino.

Após a audiência de conciliação, Dino determinou que as emendas de relator e de comissão, pivôs do orçamento secreto, só poderiam ser pagas mediante critérios de transparência e rastreabilidade. No mesmo dia, estendeu as regras às emendas Pix, atribuindo a fiscalização à CGU e ao TCU. Determinou ainda que a Controladoria realizasse uma auditoria em todos os pagamentos feitos entre 2020 e 2024.

Assim como a Abraji, a PGR ajuíza uma ação no STF questionando a legalidade das emendas Pix. A pedido da Procuradoria, Dino suspendeu o pagamento dos repasses da modalidade.

Inaugurando uma nova frente de atuação de Dino, o PSOL protocola uma ação questionando as regras das emendas parlamentares impositivas, ou seja, que exigem pagamento obrigatório. A mudança foi aprovada pelo Congresso em 2015. Segundo o partido, as regras das emendas de pagamento obrigatório desequilibraram a relação entre os Poderes.

Dino amplia a suspeição das emendas Pix e susta o pagamento de todas as emendas impositivas de deputados e senadores, condicionando a retomada à apresentação de novos mecanismos de controle e transparência.

Dino suspendeu emendas e condicionou retomada dos repasses a critérios de transparência
Dino suspendeu emendas e condicionou retomada dos repasses a critérios de transparência

Os pagamento de emendas ficaram suspensos até dezembro de 2024, quando o STF liberou os pagamentos mediante a adoção de critérios claros, como identificação do autor e do beneficiário final no Portal da Transparência.

Congresso apresentou plano de trabalho para dar transparência e rastreabilidade a emendas
Congresso apresentou plano de trabalho para dar transparência e rastreabilidade a emendas

Após as cobranças de Dino, o Congresso aprovou uma lei para reforçar a transparência das transferências via emenda Pix. O texto passou a exigir que os parlamentares informem o objeto e o valor da verba no momento da indicação, além de determinar a fiscalização dos repasses pelo TCU.

Em outra frente, após o descumprimento das regras acertadas na audiência de conciliação, Dino suspendeu mais de cinco mil emendas de comissão, que somavam R$ 4,2 bilhões. A decisão condicionou o desbloqueio dos recursos à apresentação, pela Câmara, das atas que comprovassem a aprovação formal das destinações.

Em nova decisão, Dino suspende transferências para entidades do terceiro setor que, segundo relatório da CGU, não adotavam práticas adequadas de transparência. A medida marcou o início da fase em que o ministro passou a mirar também os beneficiários das emendas, incluindo Estados e municípios.

Dino aprova um plano de trabalho elaborado pelo Congresso e pelo governo Lula para garantir mais transparência e rastreabilidade às emendas. O documento estabeleceu diretrizes, ações e prazos para a implementação das medidas cobradas pelo ministro, e foi ratificado pelo plenário do STF.

Em uma reedição do bloqueio de emendas, Dino suspendeu os pagamentos de emendas parlamentares na área de saúde sem contas bancárias regularizadas, descumprindo exigência fixada pelo STF desde agosto de 2024.

Dino determinou que o TCU identificasse e enviasse à Polícia Federal a lista de cerca de R$ 694,7 milhões em emendas individuais executadas entre 2020 e 2024, diante da suspeita de formação de um “novo orçamento secreto” no Ministério da Saúde.

Dino determinou fiscalização em emendas pelo Tribunal de Contas da União (TCU)
Dino determinou fiscalização em emendas pelo Tribunal de Contas da União (TCU)

Dino determina que Estados, o Distrito Federal e os municípios adotem o mesmo modelo de transparência e rastreabilidade já aplicado à União. Tribunais de contas e Ministérios Públicos estaduais serão responsáveis por fiscalizar a execução das emendas.

Com isso, o ministro leva ao âmbito local o padrão federal de controle orçamentário, consolidando no Supremo o papel de árbitro das disputas sobre o uso político das verbas públicas.

Esta reportagem foi produzida com o auxílio do Pinpoint, ferramenta do Google que ajuda a analisar grandes coleções de documentos usando recursos de pesquisa e de inteligência artificial. Para ver a coleção completa dos documentos analisados nesta reportagem, clique aqui.

 

 

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