No mundo que comanda o País, retórica malandra de Oruam ganha do grito desesperado de Dona Joelma
“Foi um fracasso, um horror inominável”, disse a ministra Macaé Evaristo, sobre a operação no Rio de Janeiro. A ministra acertou na palavra, mas errou no alvo. O fracasso não é da operação. É do país inteiro. Se 130 pessoas perdem a vida em uma operação policial, há muito já nos convertemos em um fracasso. O drama carioca nos ensina algumas coisas. O crime se instala onde o Estado é frágil. Enquanto o caos se instala no Rio de Janeiro, lemos que São Paulo vem registrando o menor índice de homicídios e latrocínios dos últimos 25 anos. A esquerda não vai gostar da notícia pois é o outro lado que está no governo. E é aí que vive nosso problema. Jogamos pela janela o aprendizado sobre o que funciona, porque nossa prioridade é o proselitismo político.
Outra coisa que sabemos: o Estado não pode abrir mão do controle territorial. Estudo recente mostrou que perto de um quarto de nossa população vive em áreas com forte controle do crime. Andamos no topo da América Latina, neste quesito. Foi exatamente o que assistimos. As favelas, no Rio, funcionam como uma espécie de estado de natureza, e não é por acaso que as pesquisas mostram um forte apoio de seus moradores à operação. Na base da sociedade, há um desejo de ordem. No mundo idealizado de certa elite ainda vigora uma irresponsável glamourização da violência. O tipo que mora em Ipanema, termina a noite do Sushi Leblon e pede, entre uma e outra taça, a “desmilitarização das PMs”. Uma glamourização do universo marginal que vem do fundo da nossa cultura. Da fronteira tênue entre o malandro, o herói e o bandido. Do “seja marginal, seja herói”, na obra de Hélio Oiticica sobre o bandido Cara de Cavalo. No fundo, o desvio ético consentido. Da violência que, de longe, não soa assim tão violenta. Da vida das pessoas que é um inferno, no mundo real, mas que por vezes serve como destino exótico, em um domingo de verão.
Sua prima-irmã é a filosofia Oruam. “Meu pai é reflexo da sociedade”, diz ele, falando do Marcinho VP, do Comando Vermelho, e um dos criminosos mais perigosos do Brasil. A frase vale para qualquer coisa. Mas, usada para justificar o crime e nossa inércia com a violência, se converte na armadilha perfeita. Sua negação veio da Joelma, a mãe do Artur, traficante jovem que teve a sorte de ser preso, na operação. “Você não é vítima da sociedade! É vítima de suas escolhas!”, gritou ela para o filho, cabisbaixo, no canto de uma delegacia. Do jeito que só uma mãe sabe dizer, ela dizia que acreditava nele, que a pobreza não produzia o crime, que havia um espaço para a escolha e a responsabilidade individual.
É o mesmo que penso sobre o Brasil. Vítima de suas próprias escolhas. Se o crime tomou conta da favela, é porque fomos escorregando, por conta própria, como o Artur. E não por falta de aviso. O ponto é que no mundo que comanda o País, a retórica malandra de Oruam ganha fácil do grito desesperado de Dona Joelma. E isto não deveria ser assim.
