5 de novembro de 2025
Politica

Braço da Contag na BA contratou assessores do PCdoB, e CPI do INSS suspeita de desvio para campanhas

BRASÍLIA – A federação baiana da Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (Contag) repassou pelo menos R$ 2,7 milhões para ex-assessores de políticos do PCdoB, indicam documentos sigilosos recebidos pela CPI do INSS.

O valor corresponde à soma de pagamentos feitos a 21 beneficiários pela Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais e Agricultores e Agricultoras Familiares do Estado da Bahia (Fetag-BA) entre 2021 e 2022 e entre 2024 e 2025.

A entidade reúne cerca de 400 sindicatos na Bahia e é um braço da Contag abastecido com valores arrecadados com descontos associativos. Os sindicatos da confederação recebem 75% do montante. As federações, 20%.

Encontro estadual da Fetag-BA, federação da Contag, na Bahia, com a presença de deputados e do governador Jerônimo Rodrigues, na semana passada
Encontro estadual da Fetag-BA, federação da Contag, na Bahia, com a presença de deputados e do governador Jerônimo Rodrigues, na semana passada

Em nota, a Contag afirmou que suas federações e sindicatos são autônomos e “não tem como se manifestar sobre gastos efetuados” por elas. A Fetag-BA afirmou somente que os beneficiários citados eram seus funcionários, “devidamente registrados nos órgãos competentes” (leia mais abaixo).

Membros da CPI suspeitam que as movimentações financeiras da Fetag-BA podem ter relação com “financiamento indireto” de campanhas eleitorais, pois ocorreram em meses que antecederam as disputas de 2022 e 2024 e tiveram como beneficiárias pessoas ligadas a atividades políticas e eleitorais.

Além disso, os repasses para cada pessoa variaram de 17 a 92 parcelas, embora os dois períodos analisados compreendam intervalos de 12 meses.

A Fetag-BA não se manifestou sobre a quantidade de repasses. Disse somente que “os apontados recursos somam, em média, pagamentos referentes a salários e demais direitos trabalhistas”.

A análise preliminar de integrantes da comissão sobre os pagamentos aponta “fragmentação de lançamentos”, “reincidência de beneficiários”, “autocontratação de dirigentes” e “favorecimento político”.

Entre os destinatários dos pagamentos da Fetag-BA, três pessoas que trabalharam na campanha que elegeu o deputado federal Daniel Almeida (PCdoB-BA), em 2022, e o ex-deputado estadual e ex-presidente da Fetag-BA, Claudio Bastos (PCdoB-BA), em 2018.

Cabo eleitoral de Almeida, Maria Cristina Vitória da Silva recebeu R$ 80.129,58 entre novembro de 2021 e novembro de 2022, em 41 lançamentos. E mais R$ 105.691,10 de maio de 2024 a maio de 2025, em 49 transferências. Em 2022, ela recebeu R$ 6 mil da campanha de Daniel Almeida por “militância de rua”.

A advogada e militante do PCdoB na Bahia Aline Ferraz Fernandes também prestou serviços à campanha de Daniel Almeida, em 2022. Recebeu R$ 6 mil pelos “serviços advocatícios”. Naquele ano, recebeu R$ 127.719,26 da Fetag-BA, em 17 parcelas. De maio do ano passado até o mesmo mês deste ano foram outros R$ 194.028,54, em 18 vezes. Na eleição de 2018, ela recebeu R$ 3 mil por “serviços prestados por terceiros”.

No sexto mandato consecutivo em Brasília, Daniel Almeida participou na segunda-feira, 27, de encontro estadual da Fetag-BA em Feira de Santana (BA) com o governador Jerônimo Rodrigues (PT).

“A Fetag está mais forte, unida e pronta para seguir semeando dignidade, soberania e justiça no campo. Viva os trabalhadores da agricultura familiar. Seguiremos juntos por um sindicalismo forte, campo vivo e um Brasil soberano”, disse, nas redes sociais.

Procurado por meio da assessoria para comentar o assunto, Daniel Almeida não se manifestou.

Aliado de Claudio Bastos, José Alberto Rio de Araújo recebeu R$ 143.435,23 da Fetag-BA entre maio de 2024 e maio de 2025, em 27 lançamentos. No ano passado, Bastos, que é ex-chefe da Fetag-BA, disputou cadeira na Câmara de Salvador, mas não foi eleito.

Aline Ferraz também prestou serviços à campanha de Bastos em 2018, pelos quais recebeu R$ 6 mil.

Procurado, Araújo afirmou que os valores recebidos dizem respeito a “verbas salariais e despesas de viagens”.

Do fim de 2021 até o fim de 2022, a então vereadora Nildma Ribeiro (PCdoB), de Vitória da Conquista (BA), recebeu R$ 74.108,81 da Fetag-BA, em 42 transferências. No período, ela foi para uma disputa à reeleição, mas não saiu vitoriosa.

O ex-vereador de Igrapiúna (BA) Vagner Cruz (PCdoB) é ex-vice-presidente da Fetag na Bahia e está sem mandato desde 2021. Entre maio passado e o deste ano, ele recebeu R$ 48.182,88 da entidade que dirigiu.

Nas redes, ele não se apresenta como funcionário da federação, mas como diretor de uma loja de itens agropecuários pelo menos desde o início do ano passado.

A reportagem deixou mensagens nos perfis que ele mantém ativos nas redes sociais, mas não obteve retorno.

O levantamento também aponta repasses que somam, nos dois períodos, R$ 372 mil a Roberio Portela Fontes, que tem uma pequena distribuidora de bebidas em Salvador. Ele é casado com Aline Ferraz Fernandes e foi assessor do ex-deputado federal Nelson Pellegrino (PT-BA), nos idos de 2016.

Procurados, Aline e Roberio disseram que integravam o quadro de funcionários da entidade, “com carteira assinada e registrados nos órgãos competentes”. Ambos não comentaram a quantidade de parcelas recebidas nem as funções desempenhadas.

A reportagem não localizou a equipe de Nelson Pellegrino.

Maior pagamento da federação é para empresa de programas de computador

Os dados obtidos pela CPI do INSS apontam que o maior beneficiário de repasses da Fetag-BA foi Leonardo Sousa da França Silva, dono de uma microempresa de desenvolvimento de programas de computador. Ele recebeu, nas pessoas física e jurídica, ao todo, R$ 590 mil.

Foram 21 repasses, entre 2021 e 2022, e 88 repasses entre 2024 e 2025.

Para a empresa dele foram R$ 352.160, a partir do ano passado. No CPF, outros R$ 238.122,92, sendo R$ 88.333,48 de 2021 a 2022 e R$ 149.789,44 de 2024 a 2025.

Procurado para explicar os serviços prestados, ele tomou ciência do assunto e não comentou.

A Fetag-BA não se manifestou sobre os pagamentos feitos à empresa de França.

A federação baiana da Contag também fez pagamentos para pessoas ligadas à regional da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras da Bahia (CTB-BA). Maria Cristina Vitória da Silva, que trabalhou na campanha do deputado Daniel Almeida, é secretária da entidade.

Além dela, também foram destinatários de transferências Paulo Ricardo Souza Soares, coordenador regional da CTB-BA, com R$ 190.122,49 nos dois períodos, ao todo. E Marisa Alves da Silva, secretária de juventude da CTB-BA, com R$ 109.585 recebidos desde o ano passado.

Questionada sobre os critérios para todos esses pagamentos, a Contag afirmou que os valores repassados à federação “são decorrentes da cota parte pertencente à federação dentro do Acordo de Cooperação Técnica” e que suas entidades têm autonomia.

A confederação é presidida desde abril pela baiana Vânia Marques Pinto (PCdoB), que foi dirigente da Fetag-BA. A entidade, que é politicamente próxima do governo Lula, está no centro das investigações sobre descontos associativos ilegais e é apontada como uma das maiores beneficiárias do esquema. A Contag nega ilegalidades.

CPI quer mirar ‘subníveis’ da Contag, mas esbarra em maioria governista

Os dados de pagamentos foram obtidos a partir do monitoramento dos recursos enviados pela Contag. Um dos planos da cúpula da comissão é aprofundar a investigação sobre a Contag para entidades ligadas a ela nos Estados, como as federações e os sindicatos. Parlamentares avaliam que estas entidades movimentam altas quantias e têm controles ainda mais frágeis que os da confederação.

Contudo, a CPI do INSS tem uma maioria governista que vem atuando para rejeitar a aprovação de requerimentos considerados sensíveis ao governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e a segmentos que o apoiam, como sindicatos e partidos do espectro político à esquerda.

Entre os requerimentos barrados, os que pretendiam a quebra de sigilos de uma empresa de turismo contratada pela Contag e o de convocação do sindicalista José Ferreira da Silva, o Frei Chico, irmão do presidente Lula na CPI do INSS. Ele é vice-presidente do Sindicato Nacional dos Aposentados, Pensionistas e Idosos (Sindinapi), uma das entidades na mira da Operação Sem Desconto, da Polícia Federal, por descontos ilegais a aposentados.

Os governistas também barraram a apreciação de requerimentos que miram o ex-deputado Vilson da Fetaemg (PSB-MG), presidente da federação da Contag em Minas Gerais. Ele foi o autor de emenda que resultou no adiamento da revalidação de autorização para descontos associativos.

O senador Izalci Lucas (PL-DF) trabalha para reapresentar os pedidos. Na avaliação do parlamentar, há “suspeita qualificada” de que a atuação da Fetae-MG pode “ter sido influenciada para beneficiar interesses associativos em detrimento da segurança dos beneficiários do INSS” e, por isso, “a análise das movimentações financeiras da entidade é “uma diligência inadiável e estratégica”.

 

 

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