‘Vou colocar você no prazo’, avisa ‘Diabo Loiro’ a desafeto do PCC

Preso na última quinta-feira, 30, na Operação Off White, do Grupo Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) em Campinas (SP), Eduardo Magrini, o ‘Diabo Loiro’, foi convocado pelo PCC para resolver uma negociata de dívida no valor de R$ 3 milhões entre o empresário Maurício Zambaldi, o ‘Dragão’, e Rafael Luís dos Santos – ambos ligados a esquemas de lavagem de dinheiro da facção.
Em fevereiro deste ano, ‘Dragão’ foi alvo de busca e apreensão no âmbito da Operação Linha Vermelha, que apurou esquemas de branqueamento de ativos e exploração de menores pelo PCC. Desde que virou alvo do Gaeco (Grupo de Combate ao Crime Organizado, braço do Ministério Público), ‘Dragão’ perdeu moral no submundo do crime e sofreu forte prejuízo financeiro, passando a depender de um “parceiro de negócios” para restabelecer a liquidez dos esquemas da facção.
A ‘mão amiga’ foi estendida por Sérgio Luiz de Freitas Filho, o ‘Mijão’, uma das lideranças graúdas do PCC nas ruas, que, foragido na Bolívia, comanda o tráfico de drogas para o Brasil.
Com a reputação criminosa manchada desde fevereiro, ‘Dragão’ arquitetou um plano para assassinar Amauri Silveira Filho, combativo promotor do Gaeco, visando recuperar o prestígio entre os integrantes do PCC. O plano, que envolvia uma caminhonete blindada equipada com uma metralhadora calibre .50, foi interceptado pelo Ministério Público paulista, que prendeu ‘Dragão’ em agosto deste ano.
O Estadão busca contato com a defesa dos citados. O espaço está aberto.
Fraudes, contratos e ameaças
No momento em que ‘Dragão’ prestava contas aos criminosos, a relação com Rafael Luís dos Santos – alvo de medidas cautelares na quinta-feira (30) – teria avançado para uma nova etapa da lavagem de dinheiro da facção, marcada pela “ocultação e proteção do produto do crime por meio da dissimulação patrimonial”, segundo o Ministério Público.
O documento de 53 páginas ao qual o Estadão teve acesso é assinado por um grupo de cinco promotores de Justiça do Gaeco em Campinas, Amauri Silveira Filho, Rafael Salzedas Arbach, Rodrigo Lopes, Lucas Corradini e Marcos Tadeu Rioli.
Endividado em R$ 3 milhões com criminosos que haviam investido em seus esquemas, ‘Dragão’, com a ajuda da mulher, Vanessa Janizelo – alvo de medidas cautelares impostas pela Justiça – e de Rafael, teria articulado um “negócio jurídico manifestamente simulado”, segundo o MP.
A operação envolvia a loja de motocicletas de luxo administrada por ‘Dragão’ em Campinas, cujo imóvel seria repassado a Rafael como forma de quitar a dívida milionária.
Em junho de 2025, dois meses antes da prisão de ‘Dragão’, o imóvel foi transferido para Luís Carlos dos Santos, apontado como ‘testa de ferro’ do esquema e pai de Rafael, que seria o “verdadeiro beneficiário da transação”, segundo o Gaeco.
Valor irrisório
“Para conferir aparência de legalidade, a transferência foi registrada por valor irrisório, correspondente a menos de um quarto do valor real do bem, um clássico indício de fraude e simulação”, detalha a denúncia do MP.
Luís Carlos, o ‘testa de ferro’ da operação, foi alvo de busca e apreensão na última quinta-feira, 30, e reagiu à abordagem, trocando tiros com os policiais. Ele morreu no confronto – um sargento da PM foi baleado na altura do ombro e já recebeu alta.
O Gaeco identificou que a fraude também estava presente no “Termo de Reconhecimento de Dívida” firmado entre ‘Dragão’ e Rafael.
O documento, considerado “ardiloso e contraintuitivo” pelo MP, registrava ‘Dragão’, que cedeu o patrimônio, como credor, e Rafael, beneficiário da operação, como devedor.

“Tal engenharia contratual serviria a um duplo propósito criminoso: primeiro, registrar extraoficialmente o valor real da dívida ilícita (R$ 3 milhões) e, segundo, criar um pretexto legal para justificar um eventual repasse de valores de Rafael para ‘Dragão’, caso o imóvel fosse vendido por quantia superior ao débito original”, detalham os promotores.
‘Adormecido’
A partir da análise do aparelho celular de ‘Dragão’, que descortinou o suposto nexo criminoso entre ele e Rafael, o Gaeco percebeu que o empresário tentava ‘melar’ o repasse da loja para o nome de Luís Carlos. “A negociação do imóvel em questão não estava sendo concluída por obra do casal Maurício ‘Dragão’ e Vanessa, motivo pelo qual foi acionado Eduardo Magrini, o ‘Diabo Loiro’”, narra a denúncia.
Escalado pelo PCC para ‘acelerar’ ‘Dragão’, Magrini estava “adormecido e aparentemente alheio à facção criminosa”, embora mantenha extensa ficha criminal e ligação profunda com o crime organizado no interior paulista, segundo os promotores. Ele foi preso preventivamente na última quinta-feira, 30.
A investigação mostra que ele costumava ser ativo nas redes sociais, acumulando 106 mil seguidores no Instagram, onde se identifica como “produtor rural e influencer digital”.
Salve geral
‘Diabo Loiro’ é um velho conhecido da facção. Ele participou do ‘salve geral’ do PCC em 2006, quando a organização levou terror e pânico a quase todo o Estado de São Paulo ao promover uma onda de ataques a policiais e rebeliões em massa, deixando um rastro de mais de 500 mortos em todo o Estado. A metrópole paulista ficou praticamente paralisada em maio daquele ano.
“Eu entrei de gaiato nessa história achando que eu ia ajudar um cara que estava com problema e olha o problema que vocês me colocou, até meu nome sendo citado eu nunca te apavorei, nunca fui desumano com você, sempre compreendi o problema que você tava. Agora vocês quer ficar citando meu nome por favor não cita meu nome só me paga”, escreveu ‘Diabo Loiro’ no WhatsApp para ‘Dragão’ em 18 de julho deste ano.

Dias antes, em 7 de julho, ‘Dragão’ alegou que havia repassado o imóvel para Rafael.
“E aí, já acaba essa novela. Beleza, Du?”, disse ‘Dragão’ em áudio.
“Chapa não, brother. Foi o combinado com ele. Entre o dia 10 e o dia 15 eu entrego tudo para ele. Não tem mais nada. Acabou a novela. Entendeu? Acabou. Pode ficar sossegado, velho. Palavra minha. Não vai voltar em nada porque eu combinei com ele. Entendeu ou não?”, continuou Dragão.

‘Entendeu brother?’
“Eu já transferi o barracão para ele. Entendeu, brother? Eu já transferi, mas vamo que vamo, eu vou fazer aqui, vou entregar tudo na mão dele. Bola para frente”, disse o empresário a ‘Diabo Loiro’ se referindo ao imóvel que quitaria a dívida.
No dia 11 de julho, ‘Diabo Loiro’ pressionou ‘Dragão’ com mais truculência.
“É, viado. É com o pai dele lá. Ele está me ligando aqui para resolver, né, viado? Que nós deu a palavra que até dia 10 tirava, né? Viado, veio aí para resolver a caminhada aí, mano”, disse Magrini em áudio.
“Não. 10 ou 15, eu falei, Dia 10 era o meu prazo. Falei na mesa, até o dia 15 vai liberar para ele. Pergunta para ele aí. Até o dia 15, eu falei para ele”, argumentou ‘Dragão’, tentando ganhar tempo.
Pontual e “muito violento”, como salientou o MP, ‘Diabo Loiro’ voltou a cobrar ‘Dragão’ no fim do prazo para transferência do imóvel, 15 de julho.
“Boa tarde, meu amigo”, enviou ‘Diabo Loiro’ às 14h.
‘Ei, bonitão’
Ao longo do dia, ambos tentaram contato, mas ‘Dragão’ e ‘Diabo’ não atenderam às duas chamadas feitas de cada lado. Cinco dias depois, em 19 de julho, o negócio ilícito acertado entre ‘Dragão’ e ‘Rafael’ ainda não tinha desfecho.
“Ei, bonitão, se eu falar para você, mano. Nossa, mano. E aí, a caminhada, mano. O Rafa está me dando mó canseira. Já está falando, confundido os barato. Falou que você não entregou a parada”, disse Magrini em 10 segundos de áudio.
Sem sinal de ‘Dragão’, ‘Diabo Loiro’ explodiu nos dias seguintes.
“E aí, meu parceiro, não estou te entendendo. Se esse barato não resolver hoje, aí eu vou seguir os trâmites”, alertou ‘Diabo Loiro’.
“Eu vim aqui conforme nós conversamos e você nem aí para nada”, disse Magrini, que enviou uma foto da fachada da “Dragão Motos”, endereço que estava sendo negociado, onde esperava encontrar Maurício pessoalmente.
O alerta derradeiro veio em 28 de julho.
“Bom dia, vou pedir para um parceiro meu entrar em contato com você para nós estar marcando umas ideia”, escreveu ‘Diabo Loiro’.
‘Só fica me pedalando’
“Vou deixar ciente. O que você fez não é certo. Só fica me pedalando, me empurrando com a barriga. Estou me sentindo tirado nessa caminhada. Mó pilantragem o que você está fazendo comigo”, prosseguiu ‘Diabo’.
“Vou colocar você no prazo”, arrematou no que os promotores entenderam como possível ameaça de morte.

O Ministério Público aponta que, pelas conversas analisadas, Eduardo Magrini, o ‘Diabo Loiro’, “nunca se desvinculou do PCC e continua atuando de forma violenta em nome da organização criminosa”.
Segundo a denúncia, ele teria feito ameaças a ‘Dragão’, indicando que, caso não cumprisse suas obrigações no prazo determinado pela facção, poderia “responder nos termos da organização criminosa, podendo ser, inclusive, assassinado”.
“No entanto, a confirmar que, de fato, ainda mantém posição de mando na hierarquia criminosa, notadamente por sua postura truculenta e ameaçadora, diante da recalcitrância do referido casal comparsa, o ‘Diabo Loiro’, foi chamado a intervir para a concretização da negociata ilícita e, em evidente conduta de integrante da organização criminosa em questão pessoalmente intimidou ‘Dragão”, e sua esposa Vanessa”, afirmou o Gaeco na denúncia.
O Ministério Público informou que, das nove prisões decretadas na operação, seis suspeitos foram capturados – dois já haviam sido detidos anteriormente; uma mulher permanece foragida.
Entre os presos estão Eduardo Magrini, o ‘Diabo Loiro’, Sérgio Luiz de Freitas Neto, filho de ‘Mijão’, Renan Ferraz Castelhano, Ronaldo Alexandre Vieira, Maurício Conti e Bárbara Batista Borges. Já estavam detidos Maurício Silveira Zambaldi, o ‘Dragão’, e José Ricardo Ramos, que também estaria envolvido na trama de assassinato do promotor Amauri Silveira.
O único ainda foragido é Sérgio Luiz de Freitas Filho, o ‘Mijão’, também chamado de ‘Xixi”.
A operação inclui a investigação de Álvaro Daniel Roberto, o ‘Caipira’, forte liderança do PCC que também foi alvo de mandado de busca e apreensão. Assim como ‘Mijão’, ‘Caipira’ está foragido há anos. Ambos constam da lista de criminosos mais procurados do país. De acordo com os promotores, os dois estariam na Bolívia.
“O histórico de cada um dos investigados e o conteúdo de conversas via aplicativo de celulares analisados asseguram que, caso permaneçam soltos, seguirão hedionda trilha criminosa, colocando em risco a paz social”, argumentou o MP ao representar pelas prisões e adoção de cautelares.
“As investigações demonstraram ainda que os suspeitos se dedicam intensamente à lavagem de capitais e outras práticas delitivas, inclusive a serviço de organização criminosa armada, construindo, assim, patrimônio expressivo de origem criminosa”, conclui a denúncia.
COM A PALAVRA, A DEFESA
A reportagem do Estadão busca contato com as defesas dos investigados. O espaço está aberto para manifestação (marcelo.godoy@estadao.com; fausto.macedo@estadao.com; felipe.paula@estadao.com).
