A paternidade como direito
Um filme publicitário que alardeava as virtudes terapêuticas de uma pomada anestésica colocou no imaginário coletivo dos brasileiros um bordão que muita gente conhece, mas nem sempre consegue praticar. Criado pelo marqueteiro baiano Duda Mendonça, o comercial foi exibido milhares de vezes em todas as emissoras de televisão do país entre 1982 e 1984. Começava mostrando um pai sendo despertado cedo demais, aparentemente em um fim de semana, pelo filho – uma criança de uns dez anos – que exige ser levada para jogar futebol. Ele resiste um pouco, mas vai.
Durante o jogo, o menino é atingido violentamente por um adversário e o pai, cuidadoso, corre para massagear a perna lesionada com a pomada estrela do comercial. Restabelecido, o jovem atleta volta ao jogo, cobra o pênalti e marca o gol decisivo. Em êxtase, foge da comemoração com os colegas de time e se atira, emocionado, nos braços do pai paramédico. Neste momento, a voz poderosa do locutor proclama: “Não basta ser pai, tem que participar”.
Nada mais assertivo. Ocorre que quando alguém usa o verbo “participar” nem sempre está atento a todos os seus múltiplos significados. É só dar uma olhada no Dicionário Houaiss para perceber que “participar” quer dizer um bocado de coisa diferente. É participante, por exemplo, quem se junta a outros por um motivo, sentimento ou opinião comum. Do mesmo modo, participar significa compartilhar algo com os outros. Participar é também ser parte de algo.
Outra acepção importantíssima que o dicionário aponta é “ter qualidades comuns a outra coisa e a outra pessoa”. Ou seja, ser pai é, assim como uma mãe, se entregar por inteiro à missão de cuidar dos filhos e os primeiros dias de vida do filho são fundamentais na construção deste vínculo.
Nascer é uma aventura. Imagina sair do acolhedor ventre materno e se deparar com o conturbado mundo em que vivemos. Muitos pais querem fazer parte desta linda aventura, mas encaram limitações severas. Enquanto a mãe que tem emprego formal dispõe de quatro meses de licença-maternidade, ao pai a legislação brasileira proporciona apenas cinco dias corridos, o que inclui eventuais feriados e fins de semana.
Neste apertado espaço de tempo ele precisa comprimir na agenda todo o seu ânimo de partilhar amor, carinho e proteção com sua família e ainda tomar providências burocráticas fundamentais. Ele precisa, por exemplo, ir ao cartório providenciar a certidão de nascimento. Depois tem que levar o documento para as anotações necessárias no lugar onde trabalha. E ele precisa fazer tudo isso, enquanto compartilha, com a sua companheira, o carrossel de emoções que envolvem o parto e a chegada do filho. Vale ressaltar, para além da beleza deste momento, a intensidade das mudanças faz com que no Brasil mais de 26% das mães e 11% dos pais sejam diagnosticados com depressão pós-parto.
Sem dúvida alguma, a licença-paternidade de cinco dias, incluídos no ordenamento jurídico pela Constituição de 1988, é um gesto incompleto, uma boa intenção que não avançou no ritmo desejado pela sociedade. E acabou por ficar muito aquém dos 13 dias no Uruguai, dos 14 na Colômbia, dos 28 na França e dos 35 dias em Portugal e no Canadá.
Como deputado federal por Pernambuco, estou tendo a oportunidade de relatar o Projeto de Lei (PL 3935/08) que amplia a licença-paternidade, adicionando aos amorosos deveres inerentes à paternidade um direito que julgo fundamental para os pais e para as mães. No final das contas para as famílias e a sociedade.
A proposta prevê a ampliação paulatina do tempo de afastamento do empregado que tenha filho recém-nascido ou recém-adotado, saindo dos atuais 5 para 30 dias, a partir de 2027. Representa um avanço na valorização da paternidade responsável uma vez que o cuidado com os filhos deve ser responsabilidade compartilhada entre os genitores. Nossa proposta valoriza a presença do pai desde os primeiros dias de vida da criança e corrige uma desigualdade histórica na legislação trabalhista.
Durante todo o processo de construção do relatório contei com o estímulo e o suporte das mulheres que têm assento na Câmara, todas reforçando, como fizeram a coordenadora do Grupo de Trabalho sobre Licença-Paternidade deputada Tábata Amaral (PSB-SP) e a líder da bancada das mulheres, deputada Jack Rocha (PT-ES), que o texto trata de uma política pública extremamente importante neste momento histórico em que as mulheres seguem sobrecarregadas com o trabalho de cuidado, apesar de também serem as principais provedoras de renda de mais de 52% dos lares do Brasil.
O texto também garante estabilidade no emprego por 30 dias após o retorno do trabalhador, estende o benefício a pais adotantes e assegura até 120 dias de afastamento ao pai em caso de falecimento da mãe da criança. Todo o custeio será feito pelo Regime Geral de Previdência Social (RGPS). O impacto fiscal líquido estimado é de R$ 2,2 bilhões no primeiro ano, chegando a R$ 6,5 bilhões no último.
Tenho convicção de que este custo direto é compensado pelos ganhos sociais e econômicos indiretos que serão obtido em termos de união das famílias, de ampliação da taxa de fecundidade com responsabilidade, de proteção da mulher e de atenção com as crianças na primeiríssima infância, tempo de extraordinária importância para a saúde física, mental e emocional das novas gerações.
