5 de novembro de 2025
Politica

‘O uso da IA pode racionalizar etapas, mas não substituir o juízo humano’, alerta vice do STJ

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) reuniu nesta terça-feira, 4, representantes de Tribunais de Justiça e Tribunais Regionais Federais para discutir o uso de inteligência artificial (IA) na triagem de recursos encaminhados às cortes superiores. O encontro, realizado no Salão Nobre do tribunal, foi aberto pelo presidente do STJ, ministro Herman Benjamin, e pelo vice, ministro Luis Felipe Salomão. Eles defenderam o emprego da tecnologia com prudência e critérios definidos.

O evento foi dividido em duas partes: pela manhã, especialistas discutiram os impactos da IA na admissibilidade de recursos, com exposições da conselheira Daniela Madeira, sobre a regulamentação do tema no Judiciário, e do advogado Dierle Nunes, sobre a relação entre tecnologia e sistema de Justiça. À tarde, representantes do STJ, Supremo e CNJ trocaram experiências sobre o uso da IA e seus reflexos nos tribunais.

O vice-presidente do STJ, ministro Luis Felipe Salomão, e o presidente da Corte, ministro Herman Benjamin; emprego da tecnologia com prudência e critério
O vice-presidente do STJ, ministro Luis Felipe Salomão, e o presidente da Corte, ministro Herman Benjamin; emprego da tecnologia com prudência e critério

Herman Benjamin afirmou que o tribunal tem alcançado reduções expressivas no acervo de processos, especialmente na Terceira Seção, responsável por matérias criminais. Ele destacou que o objetivo não é apenas baixar números, mas acelerar a prestação jurisdicional. Segundo o ministro, há gabinetes que chegaram a ter quase 10 mil processos e hoje contam com cerca de 980.

O presidente do STJ acrescentou que ‘o uso de inteligência artificial pode ajudar a agilizar etapas repetitivas, como a análise de admissibilidade de recursos’, mas defendeu que a tecnologia seja aplicada com ‘cautela e dentro de limites bem definidos’.

“A IA ainda é uma luz no horizonte, que depende de cautelas”, afirmou Benjamin.

O vice-presidente, Luis Felipe Salomão, apresentou dados que mostram o tamanho do desafio. Em 2024, o STJ recebeu 485.597 processos, dos quais 72,75% são agravos em recurso especial ou recursos especiais. Em 2025, até outubro, foram 427.244, o que pode levar a um novo recorde para o número de processos recebidos.

Salomão observou que o esforço de produtividade tem sido constante, mas o número de novas ações cresce na mesma proporção. “Estamos enxugando gelo, porque o número não diminui”, disse. Segundo ele, o uso da IA pode contribuir para racionalizar etapas preliminares sem substituir o juízo humano.

Dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) apresentados no encontro indicam que 45% dos tribunais brasileiros já utilizam ferramentas de inteligência artificial, enquanto 81% dos que ainda não adotaram a tecnologia planejam fazê-lo. Em 2023, o Judiciário mantinha 140 projetos envolvendo IA.

Para o advogado e pesquisador Ronaldo Lemos, cientista-chefe do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro, o desafio não está apenas em adotar a inteligência artificial, mas em garantir que seu uso preserve princípios de transparência e controle humano.

“Há um risco real de que algoritmos criem barreiras invisíveis entre o cidadão e o tribunal superior, caso funcionem sem explicação ou supervisão adequada”, afirmou Lemos.

O pesquisador ressalta que o Brasil tem posição de destaque internacional nesse debate desde a edição da Resolução 332 do CNJ, que estabeleceu diretrizes pioneiras para o uso da IA no Judiciário. Defende que o avanço da tecnologia deve vir acompanhado de transparência, rastreabilidade e supervisão humana permanente. “A IA deve ser ferramenta de apoio, nunca atuar como juiz”, observou.

O pesquisador também destaca a importância de que os sistemas utilizados pelo Judiciário sejam treinados com dados brasileiros, capazes de refletir a linguagem jurídica nacional, os precedentes e as realidades regionais. Segundo ele, modelos genéricos podem importar vieses de outros países e distorcer o funcionamento da Justiça.

O encontro realizado no STJ nesta terça, 4, deu continuidade ao debate iniciado em abril, quando foram discutidas formas de padronizar procedimentos e reduzir o acervo de recursos nos tribunais.

Nesta segunda edição, o foco foi mais ambicioso: compreender como o uso de tecnologias, especialmente da inteligência artificial, pode aprimorar o exame de admissibilidade dos recursos especiais e tornar mais ágil a prestação jurisdicional diante do aumento avassalador de processos judiciais no País.

 

 

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