Segurança pública pode redefinir as eleições de 2026
Uma maneira eficaz de analisar uma eleição é observar qual é a principal preocupação do eleitor no momento da campanha – e, entre os candidatos, quem é percebido como mais capaz de lidar com ela. Essa relação entre o tema dominante e a credibilidade do candidato explica boa parte dos desfechos eleitorais no Brasil recente. Em 2014, 2018 e 2022, a campanha que ofereceu a resposta mais convincente à angústia central do eleitor acabou vencendo, mesmo quando outros fatores, como economia ou alianças partidárias, pareciam mais relevantes. Em 2026, pode ser a vez da segurança pública.
Vale a pena repassar as eleições mais recentes para entender como isso pode acontecer. Em 2014, por exemplo, o cenário econômico já dava sinais de piora, com inflação em alta e uma recessão à vista. Muitos analistas previam a derrota do governo Dilma Rousseff. Mas, nas pesquisas qualitativas, a preocupação central dos eleitores era a preservação dos ganhos sociais obtidos nos anos anteriores. A campanha de Dilma captou esse sentimento com habilidade, insistindo que uma vitória da oposição colocaria em risco o Bolsa Família e outras políticas de inclusão. Essa narrativa foi suficiente para garantir a reeleição de um governo cuja economia já cambaleava.
Quatro anos depois, em 2018, o foco do eleitor era outro. A Lava Jato e o impeachment haviam cristalizado uma rejeição ampla à política tradicional. Corrupção, crise de representação e insatisfação com os serviços públicos formavam um grosso caldo de indignação. Alguns nomes apareceram no período pré-campanha tentando capturar essa demanda por ruptura; um deles foi o do ex-ministro do Supremo, Joaquim Barbosa. Mas foi Jair Bolsonaro quem se viabilizou e, muito antes do episódio da facada, já liderava um eleitorado decidido a punir o sistema.
Em 2022, a campanha foi marcada pelos efeitos da pandemia. Não apenas do ponto de vista de saúde pública, mas também – e principalmente – pelos seus efeitos socioeconômicos. O desemprego, a inflação de alimentos e combustíveis e a perda de renda tornaram-se o centro da agenda pública. Bolsonaro tentou reagir a tempo, ampliando benefícios sociais e expandindo gastos públicos, mas já havia perdido credibilidade para se apresentar como o melhor defensor do bem-estar das famílias. Lula, por outro lado, embora enfrentasse rejeição alta e o desgaste das denúncias de corrupção, carregava o capital político de quem havia reduzido a pobreza e ampliado o consumo popular. Sua campanha falou diretamente à ansiedade econômica do eleitorado, retomando a ideia de um Estado preocupado com as pessoas, e venceu.
Agora, com a eleição de 2026 se aproximando, segurança pública está ocupando posição central no debate. Pesquisas recentes, como as da Quaest, mostram que “criminalidade e violência” já aparecem entre as principais preocupações nacionais (31% das menções), à frente de temas econômicos. O fenômeno não é isolado: em boa parte da América Latina, a insegurança voltou ao topo da agenda eleitoral, impulsionando candidatos com discurso de ordem e punição.
Esse dado tem implicações diretas para o Brasil. O governo Lula entra em 2026 com indicadores econômicos relativamente favoráveis – inflação controlada, juros em queda e mercado de trabalho ainda firme – o que, a princípio, o coloca como favorito à reeleição. A popularidade de Lula, hoje com quase 50% de aprovação, corrobora essa avaliação.
Mas a segurança pública é um ponto estruturalmente frágil para a esquerda. Há décadas, o PT tem dificuldade em construir uma narrativa convincente sobre o tema. Essa vulnerabilidade pode ser explorada por candidatos de oposição, sobretudo se conseguirem associar a criminalidade crescente a falhas de gestão nos Estados e municípios governados pela esquerda – inclusive no Nordeste, onde o problema do crime organizado se tornou mais visível. Em disputas regionais, isso já tem custado desgaste a governadores petistas.
Assim, embora Lula ainda entre em 2026 em posição de vantagem, a evolução do debate sobre segurança pública será importante. A depender de como o tema se consolidar na agenda e de quem conquistar credibilidade para tratá-lo, o eixo da eleição pode se deslocar – de trabalho e renda para ordem e controle. O resultado, como mostram as últimas campanhas, tende a favorecer quem o eleitor perceber como mais capaz de enfrentar seu mais imediato. E hoje, para um número crescente de brasileiros, esse medo é o da violência.
