Como matar uma boa ideia – a asfixia financeira das agências reguladoras
Sérgio Buarque de Holanda dizia que cada governo no Brasil representa um “ensaio interrompido”. Ao começar, quebram-se os retrovisores da administração e acelera-se rumo aos próximos objetivos eleitorais. Para trás, ficam programas caros ao Estado, como se nada que prestasse já houvesse sido feito até então. Essa lógica tem alimentado o sistemático esvaziamento das agências reguladoras. Sete dessas 11 autarquias federais chegarão a 2026 com orçamento menor do que dez anos atrás. Duas delas cuidam diretamente do direito à vida dos brasileiros: a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e a Agência Nacional da Saúde Suplementar (ANS).
Segundo a proposta orçamentária enviada ao Congresso, as agências federais terão até 37% menos recursos em 2026 do que tinham em 2016. A Agência Nacional do Petróleo (ANP) perde 37%, a das Águas (ANA), 25% e a de Transportes Terrestres, 24%. A Anvisa – cuja fiscalização abarca nada menos do que 22% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro – terá queda de quase 20%. Já a ANS opera com recursos financeiros praticamente estagnados no período de dez anos, mesmo com aumento constante de demandas e judicializações na área da saúde.
A Anvisa controla toda a cadeia sanitária – olha o Metanol aí – aprova remédios, fiscaliza laboratórios, regula alimentos e cosméticos. Também monitora fronteiras e dá suporte ao Sistema Único de Saúde (SUS), a última fronteira entre a cura e a morte de milhões de brasileiros. Sem recursos, atrasam-se análises, aumentam filas de registro, caem inspeções e cresce o risco de desabastecimento e contaminações. Já a ANS fiscaliza operadoras que atendem mais de 50 milhões de cidadãos. Com orçamento estagnado, perde capacidade de impedir cancelamentos abusivos, garantir cobertura e mediar conflitos. O resultado é mais judicialização, crise no setor privado e pressão sobre o sistema público.
As agências, como se conhecem, surgiram no governo FHC. São órgãos colegiados, formados por diretores indicados pela presidência da República e submetidos à aprovação do Senado. Todos têm mandato fixo, o que lhes garante mais independência. A ideia, na época, era criar estruturas de regulação e fiscalização que não ficassem exclusivamente reféns da política.
Na prática, agências reguladoras fortes privilegiam conhecimento técnico, independência e segurança jurídica. Elas equilibram interesses públicos e privados, atraem investimentos e protegem o consumidor. No caso da saúde, são a linha que separa a ordem do caos. Que essa iniciativa não seja interrompida no Brasil sob o pretexto da falta de recursos, o que implica no aumento do risco a vidas.
