Construção de clãs
De Itu, cidade heráldica, saiu o sargento-mor Teodoro Ferraz Leite, já viúvo e com quatro filhos, para morar em Campinas, que então se chamava vila de São Carlos. Casou-se novamente, com mulher da família dos Teixeira e Sousa de Camargo e acrescentou mais quatro filhos aos do primeiro leito.
O caçula, Luís Nogueira Ferraz, se casou com a prima Gertrudes Eufrosina de Almeida Nogueira e plantou café. Com a colheita, sustentava a prole que crescia a cada ano, chegando a doze.
O quinto filho foi batizado José Paulino. Aos doze anos, depois de concluir o primário sob a direção de Quirino do Amaral, foi encaminhado a uma casa de comércio. Começou como caixeiro, num estabelecimento que não era apenas casa comercial, mas verdadeiro centro de atividades sociais.
Tudo aquilo que interessava a Campinas era assunto daquele negócio. Tanto que Campos Sales chamava a casa de “sociedade anônima de interesse social” e a seus sócios, assim como aos amigos dos sócios e frequentadores da roda, de “acionistas honorários”.
José Paulino teve com quem apender. Ali se propagava a República, na voz de Chico Quirino, Campos Sales, Glicério, Jorge Miranda, Américo Brasiliense, Salvador Penteado e outros. Por isso ele gradualmente revelou qualidades que o converteram em chefe do grupo e orientador dos correligionários.
Vereador à Câmara campineira, José Paulino demonstrou extraordinária capacidade de improvisação quando da epidemia de febre amarela de 1889. Ele assumiu a administração da cidade, que ficou acéfala e mobilizou todos os elementos de defesa possíveis na situação. Impunha-se o entupimento de fossas e poços e instalação de canalização d’água e rede de esgotos.
José Paulino liderou o movimento e ficou sozinho, pois adoecidos os seus companheiros. Enfrentou resistências e escreveu uma carta a Glicério, que é um atestado de seu destemor e combatividade.
Vale a pena a sua leitura:
“Abril, 2. Glicério: Estou contente de você concordar com as violências que, se for preciso, lançarei mão para melhorar o estado sanitário desta cidade. Tenho mandado entulhar muitas latrinas e poços que estão em mau estado e, assim, todos os dias procede-se a rigorosas vistorias, desinfecções, etc. Só um bom serviço de água e esgoto é que poderá restabelecer a salubridade em Campinas; portanto, todo o nosso esforço deve ser para que a Companhia realize o empréstimo sem demora; em ela tendo cobres, este ano mesmo ficará todo o serviço pronto, se puder por mãos às obras já. Sabes que com dinheiro tudo se faz”.
E continua: “A epidemia recrudesceu bastante de 5 dias a esta parte; pelo obituário, podes calcular o que vai por aqui: é um horror! Não há meio de tanta desgraça. Pobre Campinas! Parece-me que nunca mais poderá levantar-se, pujante como já foi! Você, Morais, Campos Sales e outros filhos desta terra, que aí estão com o espírito fresco e calmo pensem e ponham em prática tudo que for para facilitar o empréstimo da Companhia Águas e Esgotos, que é a única salvação desta cidade. Adeus, até por cá, se vivermos. Zé Paulino”.
Verdade que o júbilo popular irrompido em novembro desse mesmo ano de 1889, fez esquecer os dias angustiosos da febre amarela de poucos meses antes. O mesmo parece ter acontecido hoje, com o esquecimento da Covid19, que levou mais de setecentas mil almas entre 2020 e 2022. Só que, em 1889, a proclamação da República teve o condão de aliviar o luto das famílias atingidas. Em 2025, o que temos a nos consolar?
Talvez a memória de José Paulino, cidadão prestante, verdadeiro herói que se tornou imprescindível em momento de tragédia local. Ele continuou à frente do governo municipal de Campinas até que o governador Prudente de Morais nomeasse um intendente municipal, que foi Antônio Lobo.
Mais grata do que as gerações que a sucederam, a população campineira não se esqueceu do heroísmo de José Paulino. Procedeu-se a uma subscrição pública para aposição de uma placa de mármore que foi aposta no frontispício da casa comercial que ele geriu, posteriormente convertida na Escola de Comércio “Bento Quirino”.
Em julho de 1890, debelada a segunda epidemia, em banquete a Francisco Glicério, então Ministro do novo Governo, aclamou-se José Paulino como chefe a suceder o general-ministro. E inaugurado o seu retrato de “presidente da Câmara que não abandonara o posto nos dias tenebrosos de 1889”.
A mocidade campineira de nossos dias tem alguma noção disso?
