Os mesmos erros com consequências mais graves
Em 6 de maio de 2021, a polícia civil do Rio de Janeiro deflagrou operação na Favela do Jacarezinho para o cumprimento de mandados de prisão.
Ao final da operação, rotulada de bem-sucedida pelo Governador Cláudio Castro, contabilizou-se a morte de vinte e oito pessoas- um policial e vinte e sete “suspeitos”.
Na ocasião, para justificar a ação com até então o maior número de mortos em operação policial, Cláudio Castro fez referência a medida liminar concedida pelo Ministro Edson Fachin que, no seu dizer, impede a atuação livre e necessária da polícia.
Passados mais de quatro anos, reeleito, Cláudio Castro promove nova ação, agora conjunta das polícias civil e militar, mais uma vez para cumprimento de mandados de prisão.
O saldo, no entanto, é ainda mais assustador: mais de cem mortos, inclusive quatro policiais- a morte de um policial com menos de um mês de serviço simboliza bem o fracasso da operação.
Também aqui, contrariando todas as evidências, o Governador parabenizou sua polícia e comemorou o “sucesso” da operação. Mais uma vez fez referência a liminar, chamando-a de maldita, e, como novidade, responsabilizou o governo federal por omissão (o que não poderia fazer em 2021 por ser aliado de Jair Bolsonaro).
Faço, desde logo, duas observações para pontuar a discussão.
Em primeiro lugar, rotular de bem-sucedida operação que tem como resultado mais de cem mortes, é inaceitável. Trata-se de operação, para dizer o mínimo, desastrada. Basta dizer que ao final do dia da operação as autoridades supostamente responsáveis davam conta de mais de sessenta mortos. Já no dia seguinte, o número de mortos duplica, o que vale dizer que, em momento algum, o suposto objetivo da operação- cumprimento de mandados de prisão- foi perseguido.
Em segundo lugar, ao contrário do que se quer apregoar, a decisão liminar do Supremo Tribunal Federal, não proíbe operação policial. Em verdade, a decisão, tomada durante a pandemia, apenas condicionou a ação policial a justificativa por escrito e prévia comunicação ao Ministério Público.
Apesar dos reiterados excessos cometidos em várias operações policiais, entendo que não cabe ao Supremo Tribunal Federal, em ação que se discute o descumprimento de preceito constitucional, estabelecer regras para a atuação policial sob pena de incidir na crítica, hoje frequente, de indevida intervenção em ato do Poder Executivo.
Feita a ressalva, a crítica ao Supremo, no caso específico, é absolutamente improcedente.
De acordo com a versão oficial, a operação da semana passada tinha por finalidade o cumprimento de mandados de prisão (a propósito, o principal alvo da operação, apontado por todos como o principal líder da organização criminosa até agora não foi preso).
Ora, o cumprimento de mandado de prisão é atividade típica de polícia e, por óbvio, independe de qualquer autorização. Pelo contrário. O mandado é uma ordem judicial que a polícia cumpre. Simples assim: a autoridade policial de posse de mandado judicial de prisão tem o dever de cumpri-lo.
Aliás, a existência de mais de centena de mandados de prisão sem cumprimento é indicativo de falha grave no sistema repressivo.
Isto posto, a operação policial é de responsabilidade exclusiva do Governo do Estado do Rio de Janeiro, que poderia, sim, fundamentadamente, solicitar auxílio a outros órgãos do aparelho repressivo do Estado, inclusive do Governo Federal.
A comparação é inevitável.
A Operação Carbono Oculto, sem o disparo de um único tiro, trouxe à baila o envolvimento do crime organizado no sistema financeiro.
Ainda que não se possa ser ingênuo e afirmar que o problema foi resolvido, não há como negar que a lavagem de dinheiro, da forma que era feita, sofreu abalo.
Aliás, em face da operação, esta sim bem-sucedida, a FEBRABAN, em iniciativa louvável de pronta reação, editou normas rígidas para cancelar “contas laranjas” e contas de bets irregulares.
Já a operação no Rio de Janeiro resulta em mais de cem mortes, sem que se tenha notícia de nenhum resultado concreto. Até agora não se tem notícia da prisão de nenhum chefe importante da organização criminosa. Com toda certeza, os mortos serão prontamente substituídos e as atividades criminosas continuarão normalmente. Alguém acredita que a partir de agora o crime organizado vai ser abalado? Evidente que não, assim como nada de relevante ocorreu após a desastrada operação de 6 de maio de 2021.
Não é preciso maior esforço de raciocínio para se verificar que o que distingue uma operação de outra é que a primeira envolve planejamento e participação conjunta de vários órgãos do aparelho repressivo do Estado: Ministério Público, Polícia Federal, Policias Civil e Militar, além da imprescindível participação da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo e da Receita Federal (de se lamentar apenas a tentativa de exploração política, seja pelo Governo Estadual, seja pelo Governo Federal).
Seja como for, a Operação Carbono Oculto demonstra que, com planejamento e atuação conjunta e ordenada, é possível enfrentar o crime organizado.
Já a operação policial no Rio de Janeiro demonstra que os erros não corrigidos só trazem consequências cada vez mais graves que afetam, não por acaso, as camadas mais vulneráveis da população.
