10 de novembro de 2025
Politica

Correios ampliam contratos com ex-assessor de presidente da CPI do INSS, que indicou diretor da área

BRASÍLIA – Os Correios ampliaram, durante o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), contratos com uma transportadora aérea comandada pelo empresário Paulo Almada, ex-assessor e amigo do senador Carlos Viana (Podemos-MG), presidente da CPI do INSS. O parlamentar emplacou na estatal um diretor para a área responsável pelos contratos.

De 2023 até agora, a Total Linhas Aéreas assinou R$ 225 milhões em novos negócios e aditivos a contratos anteriores com os Correios. Os valores estão previstos para a prestação de serviços de transporte aéreo de cargas em linhas entre São Paulo e Belo Horizonte, Recife e São Paulo, Florianópolis e Porto Alegre. Do montante, 98% foram firmados após Paulo Almada assumir a Total.

Nos quatro anos do governo Jair Bolsonaro (PL), a Total obteve contratos e aditamentos no valor de R$ 148 milhões. Os números são do Portal da Transparência da própria estatal.

Em nota, o senador Carlos Viana afirmou que os contratos dos Correios são feitos por pregão eletrônico e não há possibilidade de interferência. Almada declarou que não foi favorecido pela sua relação com o senador e que até foi prejudicado pelos Correios devido ao cancelamento de rotas pela estatal, que nega favorecimento à Total (leia mais abaixo).

O presidente da CPI Mista do INSS, Carlos Viana (Podemos-MG)
O presidente da CPI Mista do INSS, Carlos Viana (Podemos-MG)

Paulo Almada apresentou-se ao mercado como novo chefe da Total em dezembro de 2023, em um evento público em Brasília. Ele dizia estar fazendo uma transição após mais de dez anos como consultor da companhia.

Na época, o empresário estava nomeado como assessor parlamentar do gabinete da Maioria, no Senado, cargo que ocupou de abril de 2023 a maio de 2024.

A partir da chega de Almada à Total, os negócios com os Correios, que já existiam com os antigos executivos, começaram a crescer. Foram assinados dez contratos e três aditamentos com a diretoria de Operações da estatal.

O contrato da Total mais recente e com valor mais alto durante a gestão Lula, no valor de R$ 76,6 milhões para prestação do serviço postal noturno, foi assinado dois meses depois de Sérgio Kennedy Soares Freitas assumir o comando da diretoria. Ele foi uma indicação feita por Viana ao governo do presidente Lula.

Servidor de carreira da Infraero, ele primeiro assumiu como chefe do Departamento de Transportes dos Correios, em outubro de 2024. Em junho de 2025, virou diretor de Operações. O Estadão procurou o executivo, mas ele não quis comentar. Os Correios afirmaram que não vão se manifestar em nome do quadro diretivo.

Soares Freitas chegou a ter a demissão anunciada na semana passada, como consequência de um processo de trocas deflagrado com a demissão do então presidente dos Correios, Fabiano Silva dos Santos.

Entretanto, o substituto declinou do cargo alegando questões de ordem pessoal, e Freitas foi reconduzido, na sexta-feira, 7, para o posto de diretor de Operações.

Senador usou endereço de empresário em campanha

As relações comerciais e de amizade entre Carlos Viana e Paulo Almada se misturam há anos. O empresário ocupa cargos de livre indicação controlados pelo senador desde 2018, quando venceu a eleição para o mandato que exerce.

Viana também empregou uma irmã do amigo. E Gilmar Viana, irmão do senador, é um dos advogados da Total, empresa de Paulo Almada.

O evento da Total em Brasília, em dezembro de 2023, foi registrado nas redes do senador Alan Rick (União-AC), à direita acima, ao lado Paulo Almada; Carlos Viana, à esquerda abaixo, compareceu
O evento da Total em Brasília, em dezembro de 2023, foi registrado nas redes do senador Alan Rick (União-AC), à direita acima, ao lado Paulo Almada; Carlos Viana, à esquerda abaixo, compareceu

Na eleição de 2022, quando concorreu ao governo de Minas Gerais, Carlos Viana usou um endereço de Almada como comitê de campanha e comprou gasolina e etanol de um posto de combustíveis dele.

“O comitê de campanha ficava ao lado do posto de gasolina contratado na campanha. Todos as contas foram pagas conforme as notas fiscais que constam na prestação de contas aprovada no Tribunal Regional Eleitoral”, afirmou Viana.

Presidente da CPI do INSS acumulou mandato com offshore, da qual comprou apartamento em Orlando

Além das relações comerciais e pessoais com Paulo Almada no Brasil, o presidente da CPI do INSS, Carlos Viana, atuou como gestor de uma offshore do empresário aberta na Flórida (EUA).

Offshore é uma empresa registrada em país diferente da residência dos donos ou do principal local onde o negócio opera. Geralmente, serve para aproveitar regime fiscal favorável, sigilo fiscal ou flexibilidade regulatória.

Ao longo de 2023, o senador acumulou o mandato com a função de diretor da Cliclog LLC, uma empresa que tem participação em outra companhia aérea, a Ecojet, registrada em Goiânia e com atuação na Bolívia.

Prédio do resort em Orlando, na Flórida (EUA), onde está apartamento comprado pelo senador Carlos Viana
Prédio do resort em Orlando, na Flórida (EUA), onde está apartamento comprado pelo senador Carlos Viana

A Constituição Federal permite o acúmulo com o cargo de senador, desde que a empresa não tenha contratos públicos. A relação de Almada com o governo se dá não pela Cliclog, mas pela Total Linhas Aéreas, que tem R$ 225 milhões em contratos firmados com os Correios.

Carlos Viana aparece nos registros oficiais da offshore como dirigente da firma entre março e setembro de 2023. Apesar de ter se retirado, o senador não deixou de se relacionar com ela.

Em maio de 2024, comprou da antiga empregadora estrangeira um apartamento localizado em um resort de Orlando (FL) por US$ 270 mil – cerca de R$ 1,37 milhão, na cotação da época. O imóvel, de 135 m², fica em um condomínio considerado de luxo, segundo informações de operadores do mercado imobiliário local.

O apartamento não foi declarado à Justiça Eleitoral na campanha de 2024, quando ele concorreu a prefeito de Belo Horizonte (MG). Carlos Viana listou os mesmos quatro imóveis que dizia ter em 2022, nas cidades de Salvador (BA), Rio de Janeiro (RJ), Contagem (MG) e Belo Horizonte (MG).

Questionado sobre a omissão, ele falou que o apartamento foi comprado via empréstimo bancário tomado do BB Américas e que está devidamente declarado no seu Imposto de Renda.

Em resposta à reportagem, Carlos Viana afirmou que deixou a Cliclog “assim que foram iniciadas as tratativas junto a Total”.

Contudo mesmo fora da offshore ele continuou tocando negócios em conjunto com Paulo Almada e com a Total.

Após ser derrotado na disputa pela prefeitura de Belo Horizonte, em outubro de 2024, embarcou, ainda em licença do Senado, para uma viagem à China para negócios com a Comac, a estatal chinesa de aviação.

Líder do PT deu acesso livre ao Senado a empresário

Hoje, o executivo da aviação não está lotado em nenhum gabinete do Congresso, mas mantém trânsito livre no Senado graças a uma credencial que recebeu do líder do PT na Casa, Rogério Carvalho, um de seus melhores amigos.

“Sou amigo dele desde que ele era deputado, e estou para te dizer que é um dos melhores amigos que eu fiz na minha vida. Volta e meia a gente fica naquela fila (para entrar no Congresso) 40 minutos. Eu pedi o credenciamento a ele, e ele me deu. Falei: ‘me dá um crachá aí’. Ele me deu. E se ele não me desse, outro me daria”, disse Almada ao Estadão.

Procurado, Carvalho confirmou a relação de amizade e disse não fazer parte dos negócios de Almada. Mas admitiu que ajudou Viana a viabilizar a nomeação de Sergio Kennedy Soares Freitas para a Diretoria de Operações dos Correios, responsável pelos contratos da Total.

Viana afirma que a indicação do diretor de Operações caberia ao Podemos, mas não houve consenso na bancada. Com isso, a escolha de Freitas foi “abraçada” pelo PT.

O líder do PT no Senado, Rogério Carvalho (SE), deu outra versão.

“A indicação do Sérgio Kennedy foi feita pelo Carlos Viana, que sugeriu o nome dele. Eu, como líder do PT, ajudei o Carlos Viana a chegar à Gleisi (na época presidente do PT) e ao Padilha (que era ministro de Relações Institucionais) lá atrás. Só isso”, declarou à reportagem.

Correios negam favorecimento a empresa de aliado de senador

Em nota, os Correios afirmaram que a empresa Total venceu licitações e negaram favorecimento à aérea.

O senador Carlos Viana afirmou que exonerou Paulo Almada quando o empresário começou as negociações com a Total.

Almada esteve no seu último cargo de assessoramento parlamentar entre setembro de 2024 e janeiro de 2025. Ele se apresentou como novo chefe da Total em dezembro de 2023.

Viana confirmou a relação de amizade com Almada, mas ressaltou que os contratos dos Correios se dão por pregão eletrônico e são imunes a interferências.

O empresário conversou com o Estadão por telefone dos Estados Unidos, onde negocia o aluguel de seus aviões a companhias estrangeiras.

Ele negou ter sido beneficiado por sua relação com parlamentares e diz que sua atuação no Congresso é de articulador político. “Como construtor de pontes entre governo e oposição, ninguém é melhor do que eu”, garantiu.

Sobre sua relação com o líder do PT, afirma que são amigos e que o ajuda a manter relações com parlamentares de outros partidos, inclusive o PL, do ex-presidente Jair Bolsonaro.

 

 

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