Derrite: ‘Parecer Antifacção está 99% pronto, mas posso ouvir governo Lula’; veja entrevista
O relator do projeto de lei antifacção do governo Lula (PT), deputado federal Guilherme Derrite (PP-SP), defendeu o seu parecer em entrevista ao Papo com Editor, do Estadão/Broadcast, afirmando que o texto “99% pronto”, mas que está aberto a rever pontos a partir do diálogo com o governo federal.
Segundo ele, a interlocução com o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, a pedido do presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), deve ocorrer nos próximos dias. Derrite também destacou que o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), não interveio para que ele fizesse a relatoria e que o convite foi feito diretamente por Motta.
No substitutivo, o secretário licenciado de Segurança Pública de São Paulo propõe que crimes praticados por facções sejam equiparados a atos de terrorismo, não pela tipificação formal, mas pela gravidade dos danos provocados. “Os efeitos do crime organizado são equivalentes aos de um ato terrorista”, afirmou.

Ele defendeu o endurecimento das penas e a inclusão dos novos tipos penais na Lei de Crimes Hediondos, ampliando o tempo mínimo de cumprimento em regime fechado. O deputado rebateu críticas de que o texto poderia retirar da Polícia Federal (PF) e do Ministério Público (MP) a atribuição de combater o crime organizado. Para ele, há “um erro de interpretação”, já que o substitutivo, segundo diz, preserva a competência das polícias e dos Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaecos) nos Estados.
Veja os principais trechos da entrevista:
Por que o conceito de terrorismo é central na política de segurança defendida pelo governador Tarcísio e pelo senhor?
Primeiro, eu queria afastar qualquer possibilidade de intervenção do governador Tarcísio no sentido de que eu relatasse os projetos. Isso não aconteceu. A equiparação de crimes praticados por membros de organizações criminosas a atos terroristas é o que chamamos de equiparação por lesividade, ou seja, são crimes que não são considerados crimes de terrorismo especificamente porque a Lei 13.260 de 2016 – a lei antiterrorismo – foi incorporada ao nosso ordenamento jurídico no ano em que o Brasil sediou a Olimpíada. O Comitê Olímpico Internacional exigiu uma lei antiterrorismo. Essa lei foi enviada ao Congresso Nacional e aprovada, de origem do Poder Executivo, definindo que só é crime de terrorismo se for praticado em razão de xenofobia, etnia, raça, religião ou corpo.
Dentro desse contexto, ao longo de muitos anos, infelizmente o crime organizado evoluiu ao ponto de produzir lesões na sociedade, efeitos gravíssimos, que permitem essa equiparação por lesividade, ou seja, os danos causados são tão grandes como se fosse um ato terrorista. Por isso, estão sendo incorporados ao nosso sistema punitivo dentro da Lei 13.260, porém com condutas típicas do artigo 2º-A. Entre elas, o domínio de territórios, a exploração econômica de determinadas regiões como, infelizmente, acontece no Rio de Janeiro, com distribuição de energia, internet, gás, entre outras, e a ação criminosa do chamado novo cangaço, que explode caixas eletrônicos, coloca barreiras com caminhões e ônibus, impedindo o deslocamento das forças policiais e usando explosivos.
Todas essas condutas foram tipificadas nesse artigo 2º-A para que, dentro da lei antiterrorismo sem classificar organizações como PCC, Comando Vermelho ou Terceiro Comando da Capital como terroristas, sejam previstas novas condutas que, quando praticadas por seus membros, possam ser punidas de forma tão severa quanto um ato terrorista. Essa é a similaridade que o substitutivo propõe.
O promotor Lincoln Gakiya disse ao Estadão que o substitutivo pode excluir a Polícia Federal e o Ministério Público do combate ao crime organizado. O senhor pretende modificar o texto? Já conversou com os promotores sobre isso?
O dr. Lincoln é uma referência para todos nós. Mas existe ali um erro de interpretação. Na verdade, eu previ expressamente no artigo 11 a competência estadual desses novos tipos penais criados no artigo 2º-A, mantendo a competência nos Estados, ou seja, da Polícia Civil e do Ministério Público Estadual, na figura do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), como titulares da ação penal, e da Justiça Estadual para processar e julgar esses crimes.
É claro que, se ainda há dúvida, ótimo – a gente pode corrigir. E vamos corrigir eventuais imprecisões redacionais para que não reste dúvida quanto à atuação da Justiça Estadual, das polícias estaduais e, principalmente, do Ministério Público com seu poder investigativo. Jamais faria o contrário, quero fortalecer essa integração e também promover cooperação real entre forças estaduais e federais no combate ao crime organizado.
Até o final desta segunda-feira é possível que a gente já corrija essas questões. Estou, sim, conversando com membros do Ministério Público: falei com o procurador-geral de Justiça de São Paulo, com o subprocurador e com o promotor secretário-executivo do Gaeco. Eles apresentaram novas sugestões que serão incorporadas ao texto.
Como o senhor vê a crítica de que o termo “narcoterrorismo” pode abrir precedente para intervenções norte-americanas no Brasil?
Eu creio que não. O Estado brasileiro é capaz de resolver seus próprios problemas – mas não com a legislação como está. O que deve haver, dentro do substitutivo, é uma punição muito mais severa para quem pratica crimes como os que mencionei. Não faz sentido punir de forma branda quem explode caixas eletrônicos, usa dez carros blindados, drones e granadas contra forças policiais. Não se trata apenas de aumento de pena: na lei antiterrorismo, estamos ampliando de 12-30 anos para 20-40, com qualificadoras que podem elevar a condenação até 60 anos.
Além disso, há mudanças na Lei de Execuções Penais, pois estou classificando esses crimes dentro da Lei dos Crimes Hediondos. Hoje, quem é condenado por crimes hediondos precisa cumprir 40% da pena em regime fechado; estou aumentando para 70%. Ou seja: estou reunindo os novos tipos penais com os já previstos na lei e fortalecendo a execução das penas.
Essa discussão sobre “ataque à soberania nacional” está fora de contexto. O Brasil é signatário de tratados internacionais de cooperação e pode, sim, colaborar – mas isso não está em debate no substitutivo. O que precisamos é fazer a lição de casa: hoje o ordenamento jurídico não pune adequadamente os membros de organizações criminosas que cometem crimes extremamente graves tão graves que merecem equiparação a atos de terrorismo.
O que o senhor quer dizer com “legislação de guerra em tempos de paz” ao propor penas mais duras no PL Antiterrorismo?
O Brasil não está em guerra declarada, mas a legislação atual não é capaz de punir adequadamente líderes de organizações criminosas, milícias e grupos paramilitares. Chamo de “legislação de guerra” porque estou aumentando exponencialmente as penas – de 20 a 40 anos, com qualificadoras de metade a dois terços – e alterando o artigo 112 da Lei 7.210/84, a Lei de Execuções Penais.
Explicando de forma simples: depois que o sistema de justiça criminal funciona – investigação, denúncia do MP, condenação judicial -, a lei atual permite que o condenado a 12 anos, por exemplo, possa progredir após cumprir um sexto ou dois terços da pena. Com o substitutivo, quem cometer os crimes do artigo 2º-A ou previstos na lei de crimes hediondos terá de cumprir no mínimo 70% e até 85% da pena em regime fechado.
Isso significa que não basta uma condenação alta. Estamos recuperando o instituto da pena de prisão no Brasil. Ou seja, se o criminoso for membro de organização criminosa, liderança e causar morte de criança, idoso, agente de segurança ou pessoa com deficiência, que é o agravante máximo, cumprirá 85% da pena em regime fechado.
Em que pé está a proposta de envio de policiais paulistas ao Rio e qual seria o objetivo prático dessa cooperação?
Eu acho que, naquele momento da operação, foi uma hipótese levantada. Primeiro, dizer que já existe segurança jurídica para que isso aconteça. Os estados do Sul e do Sudeste participam de um consórcio criado lá atrás. O tema principal discutido no ano passado foi segurança pública, e um dos acordos de cooperação – que inclusive foi enviado para todas as Assembleias Legislativas e aprovado – prevê a possibilidade de operações conjuntas: limites de território, base de informações de inteligência sendo trocadas entre as forças policiais. Então, já existe respaldo jurídico para isso.
Naquele momento da grande operação, a gente não sabia quanto tempo ela iria durar, se ia se estender. Então, oferecemos ao Estado do Rio de Janeiro a possibilidade de reforço, assim como oferecemos ajuda humanitária ao Rio Grande do Sul. O Estado de São Paulo foi o que mais enviou tropas durante as enchentes no Rio Grande do Sul, primeiro os bombeiros, depois policiais militares para evitar saques e abusos nos abrigos. Então, mais uma vez, foi o Estado de São Paulo oferecendo apoio a quem precisa.
Mas, por enquanto, essa possibilidade foi descartada, porque a operação teve um objetivo específico e não continuou. A ocupação do território não avançou, como a gente imaginava que poderia acontecer. Mas deixo isso a critério do governador, até porque, como mencionei, existe segurança jurídica para esse tipo de cooperação.
O senhor já conversou, ou vai conversar, com o ministro Ricardo Lewandowski, da Justiça e Segurança Pública?
Existe a possibilidade. Eu estou indo para Brasília amanhã cedo, na terça-feira. O presidente Hugo Motta me ligou, perguntou se eu toparia uma conversa. Eu falei: “Claro, topo. Estou 100% disponível para ouvir também, por parte do governo federal – nesse caso, representado pelo ministro Lewandowski -, quais são as contribuições que ele queira fazer dentro do substitutivo. Sem problema nenhum.”
Como responde às críticas da ministra Gleisi Hoffmann (PT) e do deputado Lindbergh Farias (PT) de que sua relatoria tem viés eleitoreiro?
Eu entendo que são naturais. É oposição – no caso, eles sendo governo, e eu, oposição. Acho natural, dentro do debate político, ficarem descontentes com a minha indicação. Mas o meu compromisso é fazer um trabalho extremamente técnico. Primeiro porque eu sou deputado federal, como todos os outros 512. Fui eleito pelo povo – aliás, bem votado: quase 240 mil votos. O 11º mais bem votado do Estado de São Paulo e o 12º do Brasil em número absoluto de votos. Fora isso, estou no meu segundo mandato parlamentar.
Antes de ser secretário de Segurança, eu já era deputado federal. E exerci, por quase três anos, a função de secretário do maior Estado da Federação. Então, acho que isso me cacifa – fora a minha formação em Direito, pós-graduação em Direito Constitucional e agora terminando meu mestrado.
Agora, a discussão política é normal. Também é uma maneira de fugir do debate técnico, porque o substitutivo está aqui. Se quiser debater tecnicamente – e mais do que isso, apresentar sugestões, vindo de quem for -, estou aberto. Já ouvi vários deputados, ouvi senadores da República que apresentaram sugestões que podem até ser incorporadas nesse novo substitutivo. Estou indo para um debate suprapartidário, livre de ideologias, para apresentar à população brasileira o que há de melhor em inovação legislativa – no sentido de endurecer o custo do crime, encarecer o custo do crime – e entregar ao país e à população, que infelizmente vive à mercê de organizações criminosas, um resultado concreto.
