12 de novembro de 2025
Politica

Cem dias de Bolsonaro em prisão domiciliar tem vizinhos tensos, direita em crise e queixa de aliados

BRASÍLIA — “Maria Amélia, vem aqui, que a coisa tá ficando feia”. Maria Amélia Campos já sabia do que se tratava quando ouviu os funcionários gritarem da calçada. Ela espiou a rua pela janela, largou o que estava fazendo e foi para o WhatsApp. “Corre pra cá, gente, corre pra cá”, distribuiu a mensagem em vários grupos.

Os reforços de Maria Amélia logo chegaram. Sempre que um detrator de Jair Bolsonaro (PL) protesta contra o ex-presidente em frente ao condomínio Solar de Brasília, os grupos de moradores e apoiadores se atiçam. Naquele dia, 2 de setembro, começaria o julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) que terminaria por condená-lo, e petistas tinham inflado um boneco do ex-presidente com roupa de presidiário, junto a uma faixa: “Bolsonaro na cadeia”.

O ex-presidente Jair Bolsonaro ao chegar ao condomínio onde também tem casa, na Zona Oeste do Rio, em 2023
O ex-presidente Jair Bolsonaro ao chegar ao condomínio onde também tem casa, na Zona Oeste do Rio, em 2023

“Eu pegava o carro, (passava) e xingava os petistas. Mobilizamos muita gente. Quando tem alguma ação para difamar a imagem do Bolsonaro, a gente não permite. Pô, você quer fazer manifestação? Vai pra Esplanada”, diz Maria Amélia, escolhida vice-presidente do PL Mulher no Distrito Federal pela ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro, dada a proximidade com a família.

Dona de uma das confeitarias mais renomadas da capital federal, Maria Amélia tem atenção especial na unidade que fica em frente ao condomínio Solar de Brasília, no bairro Jardim Botânico. É lá que Bolsonaro mora.

Nesta quarta-feira, 12, o ex-presidente completa 100 dias de prisão domiciliar imposta pelo ministro do STF Alexandre de Moraes, por ter descumprido medidas cautelares.

A prisão domiciliar de Bolsonaro tem gerado transtornos para a vizinhança. Moradores relatam brigas no grupo de WhatsApp do condomínio e o aumento da tensão em episódios como o do julgamento no STF. O mecânico Vinícius Scucato, que costuma autorizar jornalistas a passar pela portaria, sofre um processo de expulsão do condomínio motivado, segundo ele, pelas brigas que tem arranjado com a administração.

“Tem muito morador brigando. Tem uns que apoiam (Bolsonaro), e outros não. Já fizeram até reunião para tentar expulsar o Bolsonaro. Mas o administrador disse que não ia entrar nessa briga”, diz Scucato.

Centro gravitacional bolsonarista

O Solar de Brasília se tornou uma Meca do bolsonarismo desde 4 de agosto, data da prisão. É para onde as principais lideranças da direita brasileira vão quando precisam de orientação ou bênção para tomar alguma decisão, uma vez que Bolsonaro não pode pisar na calçada sem autorização judicial — a não ser por emergência médica.

Nos últimos 100 dias, Moraes concedeu autorização para ao menos 72 autorizações para 61 pessoas visitarem o ex-presidente em casa, segundo levantamento do Estadão, com exceção de médicos, advogados e familiares, que não precisam de aval. O grupo de oração de Michelle, composto por 16 pessoas, tem conseguido aceite para ir toda quarta-feira à noite à casa.

Houve 34 autorizações para parlamentares (quase metade, 47,2%), seis para dirigentes e pessoas ligadas ao seu partido (8,3%), quatro para governadores e vice-governadora (5,5%) — apenas o de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), o de Santa Catarina, Jorginho Mello (PL), e a vice do Distrito Federal, Celina Leão (PP), foram vistá-lo. O resto se divide entre amigos, empresários, ex-ministros, pastores e comunicadores.

A frequência das visitas, no entanto, vem caindo. Isso porque 57% delas foram feitas nos primeiros 50 dias da prisão domiciliar, excluindo o grupo de oração, cuja visita é semanal. Bolsonaro convive sobretudo com os familiares de Michelle. Eduardo Torres, irmão da ex-primeira-dama, é presença constante na casa.

“A gente fica preocupado, ele tem uma saúde muito delicada. Ele não faz exercício todos os dias, depende da condição de saúde do momento. Mas a gente fica em cima para que ele se exercite. Tem dias em que ele está bem, outros em que está pior. A questão psicológica que abala. O emocional dele abala com as notícias que chegam”, diz o irmão Renato Bolsonaro, sem responder que tipo de notícias costumam abalar o ex-presidente.

Senado, anistia e governo Lula

A menos de um ano das eleições, Bolsonaro tem aproveitado as visitas para articular as chapas ao Senado. A eleição à câmara alta do Congresso é considerada crucial pelo ex-presidente, uma vez que alcançar a maioria das cadeiras pode dar poder ao bolsonarismo de contra-atacar o STF com o impeachment de ministros. Bolsonaro já disse em público que, se tiver mais de 50% de cadeiras no Legislativo, vai “mandar mais que o presidente da República”, ainda que ele esteja fora do jogo.

Bolsonaro tem traçado cenários em São Paulo sem o filho Eduardo, que se mudou para os Estados Unidos para articular junto ao governo Trump sanções contra o Brasil. Ele também quer o filho Carlos Bolsonaro, vereador pelo Rio, concorrendo por Santa Catarina — o que desengatilhou uma guerra com lideranças locais — e Michelle, hoje tida como presidenciável, como candidata pelo Distrito Federal.

“Em Brasília está muito definido que a Michelle é candidata a Senado. Isso está muito cristalizado na mente dele (Bolsonaro). Ele entende que (é) para proteger a Michelle, (porque) as pessoas sempre saem do Executivo com problemas judiciais infinitos. É proteção de marido”, afirma Sóstenes Cavalcante, líder do PL na Câmara, que fez duas visitas ao ex-presidente.

Alguns aliados avaliam, no entanto, que um cenário anárquico se instalou na direita, uma vez que Bolsonaro, impedido de usar as redes sociais, não pode mais ditar a narrativa política. Um deles, ouvido sob reserva, diz que o ex-presidente está mal assessorado e deveria se comunicar mais com o mundo externo, seja por meio de bilhetes repassados pelos advogados ou por entrevistas não transmitidas.

Os aliados veem Santa Catarina, um dos principais redutos eleitorais do PL, como exemplo do caos causado pelo silêncio de Bolsonaro. A pré-candidatura de Carlos por um Estado onde nunca viveu despertou uma rara resistência de conservadores catarinenses ao nome de um Bolsonaro, uma vez que a deputada federal Carol de Toni, cedendo a vaga ao vereador, pode deixar o partido e concorrer ao Senado por outra sigla.

Futuro na prisão

A peregrinação ao Solar de Brasília está perto de acabar. Em 12 de setembro, ele se tornou o primeiro presidente da História do Brasil a ser condenado a tentativa de golpe de Estado: a pena é de 27 anos de prisão. A 1ª Turma do STF formou unanimidade na última semana para rejeitar os recursos de Bolsonaro, e a sua ida para a prisão está cada vez mais perto. O destino penitenciário do ex-presidente levanta temores nos aliados.

“Já estão falando que ele vai para (o Complexo Penitenciário da) Papuda, não sei o quê. Ele ainda é capitão da reserva do Exército. Como militar, ele só pode ir para a Papuda depois de perder a patente, se é que vai perder”, diz o deputado federal Alberto Fraga (PL-DF), amigo de Bolsonaro desde a juventude.

Nos últimos dias, aliados têm se movimentado para que Bolsonaro tenha pelo menos uma condição mais favorável na prisão. Celina Leão afirmou nesta segunda-feira que a Papuda (DF) não tem condições de receber o ex-presidente. “Não temos condições de preparar uma comida especial de que ele necessita por causa das cirurgias. E, mesmo nas áreas mais isoladas, as condições não são adequadas para um ex-presidente”, disse em entrevista ao SBT News.

 

 

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