‘Desafio do Judiciário é avaliar como poluição local afeta aquecimento global’, diz ministro do STJ
BRASÍLIA – O ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Paulo Sérgio Domingues será um dos participantes do Dia da Justiça, do Clima e dos Direitos Humanos, que será realizado dentro da COP-30 nesta quinta-feira, 13. A ideia é debater Justiça Climática e os desafios que tribunais brasileiros e internacionais enfrentarão nos próximos anos sobre o tema.
Entre os presentes, estarão os presidentes do Supremo Tribunal Federal (STF), Edson Fachin, e do STJ, Herman Benjamin, representantes de outros países e de Cortes internacionais.
Segundo Domingues, um dos maiores desafios do Judiciário é avaliar como a poluição local pode afetar o aquecimento global e como esse tipo de dano pode ser punido e compensado. O ministro tomou posse no STJ há três anos. Antes disso, foi juiz federal e tem mestrado em Direito Ambiental pela Universidade de Frankfurt, na Alemanha.
Integrantes do Judiciário, do Ministério Público e outros operadores do sistema de justiça participarão de debates na COP-30 sobre danos ambientais e os impactos das mudanças climáticas. Os tribunais estão preparados para julgar esse tema?
Já há mais de três décadas os tribunais do Brasil vêm construindo uma jurisprudência bastante sólida no que diz respeito à preservação ambiental, à interpretação da legislação ambiental e à busca dessa compatibilização adequada entre o desenvolvimento e a preservação do meio ambiente para presentes e futuras gerações. Então, eu acredito que sim, os tribunais brasileiros estão muito bem preparados para julgar essas matérias que vão ser objeto de discussões na COP-30 de Belém.
A atividade agropecuária, da forma como ela é realizada hoje no Brasil, preocupa os juízes?
Naturalmente que a atividade agropecuária preocupa todos os brasileiros. Agora, o agronegócio legal, aquele que atua de forma responsável, que respeita a reserva legal, que respeita as áreas de mananciais e que não realiza queimadas ilegais, este agronegócio merece a proteção do Legislativo e o respeito do Judiciário na avaliação da sua atividade. O grande problema é que temos o negócio que realiza desmatamento ilegal, queimadas, derrubadas indiscriminadas de florestas, grilagem de terras públicas. Enfim, aquele que se diz agronegócio, mas não merece esse nome, que é composto por pessoas irresponsáveis, por pessoas que praticam verdadeiros crimes ambientais. Estes realmente merecem atenção e merecem que os órgãos de proteção ambiental, os órgãos de fiscalização atuem de forma bastante firme. E claro que o Judiciário também está atento a essa espécie de atividade.
É possível compensar danos ambientais e mudanças climáticas em uma ação judicial? Como isso pode ser feito?
A possibilidade de condenação de um poluidor, de alguém que pratica queimadas e a recomposição de uma área degradada é algo bastante sedimentado na nossa jurisprudência. Na própria indenização por danos morais coletivos também há algo já fartamente sedimentado no nosso Direito.
Qual é o principal desafio do Judiciário na área ambiental hoje?
A grande questão que está aparecendo agora, e que aparece cada vez mais nas discussões do Judiciário no Brasil e no mundo, é a avaliação da contribuição de uma atividade poluidora local para o aquecimento global, o reconhecimento que uma atividade local pratica ou produz efeitos que se estendem regionalmente, internacionalmente, e que isso traz uma contribuição mensurável para as mudanças climáticas do aquecimento global. O desafio do Judiciário é avaliar como poluição local afeta aquecimento global. Creio que é a grande questão que vai ser tratada no Judiciário nos próximos anos.

Com ecossistemas interligados, esses danos ambientais afetam também outros países, especialmente os da América Latina. Existe hoje diálogo suficiente na comunidade internacional sobre a judicialização dos danos ambientais?
As queimadas na Amazônia realizadas no Brasil, ou na Colômbia, ou no Peru, ou no Pantanal, no Brasil ou na Bolívia por exemplo, essas fumaças atravessam as fronteiras e atingem as regiões inteiras. A América do Sul é atingida no clima, no regime hídrico e de várias formas por tudo aquilo que acontece em determinado país. Hoje, existe uma compreensão também dos tribunais de que é importante haver uma apreciação comum desse tipo de dano ambiental que é praticado e que afeta todos os países. Essa situação é tratada pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, que recentemente emitiu uma opinião consultiva sobre isso, e também tratada, por exemplo, na Comissão Ibero-Americana de Justiça Ambiental, da qual o STJ participa.
Existe expectativa de ser firmado um acordo com outros países na COP-30 para uniformizar entendimentos judiciais entre países? Ou mesmo um protocolo para o julgamento dessas causas?
Vão acontecer em Belém muitos debates entre juízes de todo o mundo a respeito da atuação dos Judiciários sobre mudanças climáticas. Nós acreditamos que, com o passar do tempo, cada vez mais nós venhamos a ter um protocolo de atuação, mecanismos semelhantes de mensuração de avaliação de danos ambientais, de danos climáticos, principalmente. Então, acredito que venha a ser muito importante que esses debates, acontecendo no meio da COP-30, venham a produzir efeitos concretos em um futuro bastante próximo.
