Motta tentou tirar boia de salvação de Lula na crise da segurança, mas Derrite acabou devolvendo
Em meio a um cenário em que a popularidade do presidente Lula foi impactada por posições pouco populares a respeito da operação policial no Rio de Janeiro, o governo federal está, momentaneamente, respirando aliviado com o consolidado do debate até aqui do chamado PL Antifacção. É que se o Palácio do Planalto terminou a semana passada atordoado pelo anúncio de Guilherme Derrite como relator do projeto enviado pelo Executivo para o tema, uma trapalhada – na melhor das hipóteses – no primeiro relatório sobre o projeto acabou oferecendo uma narrativa que a esquerda não tinha no difícil debate da segurança pública.
É como se Motta, ao anunciar o secretário de Segurança de Tarcísio de Freitas, tenha tentado tirar a boia de salvação de Lula no tema para o escolhido a devolvê-la já cheinha e pronta para uso. Foi o que seu deu com a entrega à opinião pública da polêmica a respeito da redução do papel da Polícia Federal e do Ministério Público no combate à criminalidade, como alertou o procurador Lincoln Gakiya na coluna de Marcelo Godoy, aqui neste Estadão.
Trata-se de um ativo precioso, considerando que a esquerda e o governo estavam sem discurso após a operação comandada por um governador de direita e fortemente apoiada pela população. Mais do que não ter o que apresentar de concreto, Lula, que antes já havia chamado traficantes de vítimas de usuários, defendeu que a ação era desastrosa, o que, segundo dados da pesquisa Genial/Quaest, teve impacto em sua aprovação.

A solução do governo para a devolução do tema da segurança ao palco do debate público foi apresentar rapidamente um PL Antifacção que acabou sendo entregue nas mãos da direita por uma articulação de Hugo Motta, correligionário de Tarcísio, o grande rival de Lula em 2026. Deu-se uma choradeira sem tamanho na base aliada.
A escolha de Derrite para a função, porém, passou de problema a solução para o governo quando o secretário licenciado passou a escorregar e apanhar duramente da opinião pública por conta de seu relatório apresentado pouco mais de duas horas depois de ser anunciado na função.
Por mais que Derrite tenha recuado em meio a juras de que a polêmica era vazia, o fato é que não demorou muito pouco para que o governo e a esquerda emplacassem a narrativa de que estávamos diante de uma espécie de “PEC da Blindagem 2″, agora em benefício de facções criminosas.
Escaldado pela pressão das ruas contra a blindagem, Motta farejou rápido o perigo, tirou o PL de votação até que Derrite o alterasse, enquanto o governo anunciou a mudança como uma vitória e a oposição torceu o nariz.
Afora o debate eleitoral e a oportunidade oferecida a Lula para sair das cordas no tema, o fato é que o relatório atrapalhado feito de última hora exibiu mais uma vez uma característica da gestão Motta na Câmara dos Deputados. Uma gestão que atua pressionada pelo assunto de momento nas redes, com uma urgência de ocasião e que se desfaz quando outro tema ganha atenção da opinião pública.
É de se esperar que um relatório (oficialmente) feito em duas horas viesse cheio de problemas. Como é de se esperar que um problema complexo no Brasil, negligenciado inclusive pelo Congresso há anos, não pudesse ser resolvido com uma discussão de uma semana. Enquanto a agenda for a eleitoral e não houver um projeto de país, o Brasil não vai superar suas chagas.
