Dos governadores presos ao governador que prende: a reviravolta de Castro no Rio
A palavra prisão e o cargo de governador do Rio de Janeiro caminham juntas há pelo menos duas décadas. O ex-governador Anthony Garotinho foi quem estreou essa relação que parece ter se tornado praticamente indissolúvel. Sua greve de fome, ironizada por supostos descumprimentos, durou 11 dias, ainda em 2006 e mal sabiam os fluminenses, que aquilo seria uma constante nesse triste enredo. Sérgio Cabral, depois da dança do guardanapo na cabeça, foi o mais ilustre da lista e o que mais tempo ficou em cárcere. Rosinha Garotinho e Luiz Fernando Pezão, prepostos dos outros dois governadores-presos ilustres, completaram a lista dos que foram enjaulados.
Nesse cenário de absoluta desconfiança, a população resolveu ousar em 2018 e eleger para o cargo máximo executivo do Estado um juiz que se apresentava como um bastião da moral e dos bons costumes. Wilson Witzel, até então desconhecido de grande parte do eleitorado, venceu uma eleição recheada de figurões como o atual prefeito da capital Eduardo Paes, o ex-candidato a Vice-Presidência da República Índio da Costa, o ídolo e senador Romário, além do ex-governador Anthony Garotinho. Seu percurso como mandatário, todavia, foi bastante encurtado. Involucrado em uma trama de improbidade administrativa, Witzel não foi preso, mas foi parar na cadeira dos julgados, sendo o primeiro governador da história do Brasil a ser deposto do cargo em um processo de impeachment.

Ex-vereador da cidade do Rio de Janeiro, Cláudio Castro, seu vice, assumiu o cargo de maneira inesperada e começou uma trajetória de altos e baixos na gestão estadual. Com habilidade para contornar a difícil relação com a Assembleia Legislativa, muito atuante e com um histórico de presidentes fortes, em um modelo concebido pelo ex-deputado, já falecido, Jorge Piciani e replicado por André Ceciliano e pelo atual Rodrigo Bacellar, conseguiu garantir uma estabilidade institucional que há tempos não era vista. Alguns programas como o Segurança Presente, importante sobretudo para garantir uma sensação de segurança em pontos de fluxo das cidades e a venda da CEDAE, garantiram um final de primeira gestão com boa aprovação, principalmente pela quantidade de obras realizadas com o dinheiro obtido pela privatização do órgão.
Essa pacificação e um governo com entregas razoáveis foram suficientes para fazer o eleitor fluminense e o entorno político garantirem a sua reeleição, que se deu em primeiro turno, não dando sequer chances para Marcelo Freixo, candidato lulista no Estado. Se não era o governador dos sonhos, Cláudio Castro minimamente cumpria com um papel que o eleitor precisava depois de cinco governadores passando por tribunais. Filiado ao PL, de Jair Bolsonaro, Cláudio Castro nunca foi unanimidade entre os bolsonaristas radicais, que o engoliram justamente pela sua capacidade de articulação à frente do processo das composições. Sua aliança juntou além do PL, o Avante, o DC, o MDB, o PMN, o Podemos, o PP, o PROS, o PRTB, o PSC, o PTB, o Republicanos, o Solidariedade e o União Brasil.
Com 60% dos votos, seu início de segundo mandato não estava no compasso do primeiro. Com idas e vindas na relação com o presidente da Assembleia Legislativa e com seu vice-governador, que acabou por ser indicado ao Tribunal de Contas do Estado, Castro vinha patinando na aprovação popular e era quase que descartado pelo bolsonarismo na composição de chapa para 2026. Com o final de seu mandato, o mais provável era que Cláudio Castro buscasse a eleição para uma vaga na Câmara Alta brasileira, representando o Rio de Janeiro, no Senado Federal. Com uma vaga já assegurada pelo partido ao filho do ex-presidente, que tentará a reeleição, Flávio Bolsonaro, a segunda vaga estava em disputa franca entre Cláudio, Carlos Portinho, que ocupou a vaga de senador após a morte do titular Aroldes de Oliveira, e nomes mais radicais, que dialogam com a raiz do bolsonarismo.
Um fato, todavia, mudou o curso da história no Estado. Cláudio Castro comandou a maior operação contra o tráfico de drogas vista nos mais de quatro séculos de existência do território do Rio de Janeiro. Uma ação digna de filmes hollywoodianos, com prisões e mortes de diversos traficantes, entregando para a população um alento em meio a tantos problemas. A população enclausurada e com medo da violência urbana, convivendo em territórios dominados pelas facções criminosas espera do governo ação para enfrentar essa situação. Castro conseguiu entregar aquilo que as pessoas esperavam, até mesmo com certa crueldade, que é no íntimo aplaudida pela maioria das pessoas, que não aguentam mais a humilhação de terem seu direito de ir e vir cerceados e ter que pagar por uma proteção fictícia garantida pelos criminosos.
A aprovação popular da sua medida foi tamanha, que as mais diversas medições feitas apontaram uma subida vertiginosa de sua aprovação como governador. Pesquisas realizadas pelos principais institutos do País, como o Datafolha, a Quaest, o RealTime Big Data e a Atlas, mostraram que mais de 70% dos fluminenses aplaudiram as ações e o número é ainda maior entre aqueles que vivem na realidade das áreas ocupadas pelas organizações criminosas. Em um país que fulgura no hall dos mais violentos do mundo, não se espera de um governo ações que não enfrentem escancaradamente a situação. O brasileiro exige mudanças no Código Penal, maior autonomia para as polícias e endurecimento nas leis. Questões até mais complexas, como a prisão perpétua, por exemplo, tem 72% de apoio, segundo pesquisa realizada pela Ipsos/Ipec, em julho deste ano.

De patinho feio nas eleições, Cláudio Castro ganhou fama de super herói. Sua ida ao Congresso Nacional, nesta semana, mostrou uma série de deputados e senadores, da base bolsonarista, querendo se aproximar de uma figura que ganhou o respeito dos brasileiros. Seu nome, antes rejeitado para uma das vagas ao Senado, já é colocado como possível presidenciável nas pesquisas internas dos partidos. O governador do Rio de Janeiro mostrou que o brasileiro quer mais do que discurso, quer ação, e conseguiu depois de um longo período reverter uma lógica absolutamente desvirtuada de governadores vilões. Um contragolpe cinematográfico que reposicionou de forma correta os mocinhos e os ladrões.
