14 de novembro de 2025
Politica

Planalto carimba relatório de Derrite como ‘PEC da Blindagem’ em estratégia para desgastar Tarcísio

BRASÍLIA – O Palácio do Planalto montou uma força-tarefa para desgastar o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), e o bolsonarismo ao vincular o relatório do deputado Guilherme Derrite (PP-SP) sobre o projeto antifacção à blindagem de políticos. O discurso unificado, elevando o tom contra essa proteção, faz parte de uma estratégia definida pelo ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social (Secom), Sidônio Palmeira.

Escalado como relator do projeto do governo pelo presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), Derrite já apresentou quatro versões de seu parecer, com várias modificações no texto enviado pelo Ministério da Justiça. A escolha de Derrite, que se licenciou do cargo de secretário da Segurança Pública do governo Tarcísio para retornar à Câmara, atiçou o embate que tem como pano de fundo as eleições de 2026.

O governo Lula vinha perdendo a batalha da comunicação após pesquisas mostrarem que a maioria dos eleitores aprovou a recente operação policial do Rio contra o Comando Vermelho, que deixou 121 mortos. Após a tragédia, governadores do campo conservador, como Tarcísio, Cláudio Castro (Rio), Ronaldo Caiado (Goiás) e Romeu Zema (Minas), se apropriaram da pauta da segurança e acusaram a gestão federal de omissão no combate ao crime organizado.

Lula e Tarcísio: longe dos holofotes, uma disputa cada vez mais acirrada
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O projeto de lei encaminhado à Câmara prevê penas mais duras para líderes de facções, além da infiltração de policiais em empresas suspeitas de lavar o dinheiro do crime. Não bastou, porém, para Lula passar a imagem de que seu governo enfrenta a bandidagem.

Levantamentos feitos pela Genial/Quaest indicaram que a direita conseguiu dividendos eleitorais ao explorar a crise da segurança, tanto que a avaliação positiva de Lula foi interrompida após a operação da polícia nos complexos da Penha e do Alemão, no Rio.

Foi então que, por orientação de Sidônio, ministros, secretários executivos e dirigentes do PT passaram a associar as mudanças feitas por Derrite no projeto antifacção à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que dificultava investigações criminais contra deputados, senadores e presidentes de partidos.

Conhecida como “PEC da Blindagem”, a proposta chegou a ser aprovada pela Câmara, em setembro, mas foi derrubada no Senado após manifestações de protesto nas ruas.

Homem da confiança de Tarcísio, possível adversário de Lula nas eleições de 2026, Derrite é cotado para concorrer ao Senado ou mesmo ao Palácio dos Bandeirantes, dependendo do cenário político.

Depois de ter o primeiro relatório chamado de “inconstitucional” pelo titular da Justiça, Ricardo Lewandowski, e por ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), Derrite divulgou outras três versões do parecer.

O capítulo mais criticado do texto, rebatizado como Marco Legal de Combate ao Crime Organizado, foi o que tirava a autonomia da Polícia Federal para investigar as facções. Na primeira versão apresentada pelo deputado, a corporação precisaria pedir autorização ao governador do Estado para agir.

Pressionado, Derrite alterou esse trecho, submetendo a atuação da PF a uma “comunicação às autoridades estaduais competentes” ou “mediante solicitação fundamentada” do delegado de polícia ou do Ministério Público.

“Faz meses que o Centrão e os bolsonaristas estão tentando passar alguma coisa de blindagem aqui porque operações da Polícia Federal mostram que facções como o PCC e o Comando Vermelho têm um braço político”, disse o líder do PT na Câmara, Lindbergh Farias (RJ). “Aí tiveram uma ideia: vamos pegar o xerife Derrite e botar essa blindagem aí no meio para proteger os interesses de parlamentares e empresários”, acusou.

O deputado do PP acabou subtraindo do relatório o trecho que desidratava o poder da Polícia Federal e também o parágrafo encaixado na última hora para equiparar facções criminosas a organizações terroristas. “Não tem nada de recuo, mas, sim, de estratégia”, justificou ele. “Eu atendo os interesses do povo brasileiro”.

Derrite mudou o relatório várias vezes com muita rapidez, para não deixar que a oposição perdesse a bandeira da segurança pública. Na pressa, cometeu erros de redação, como parágrafos inteiros repetidos no mesmo texto.

O governo alega ter levado seis meses discutindo com especialistas o projeto antifacção, após ter apresentado, em abril, a PEC da Segurança, que até hoje caminha a passos de tartaruga na Câmara.

A quarta versão do relatório ainda nos preocupa porque as mudanças comprometem a eficácia no combate às facções criminosas

Gleisi Hoffmann, ministra da Secretaria de Relações Institucionais

Por causa da pressa, Derrite foi batizado ironicamente por ministros de Lula como “Jack Bauer”, personagem da série “24 horas” que tenta fazer justiça com as próprias mãos.

“A quarta versão do relatório ainda nos preocupa porque as mudanças comprometem a eficácia no combate às facções criminosas”, afirmou a ministra de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann.

Ministros e dirigentes do PT observam que pontos do projeto como tipificação penal, apreensão de bens, recursos para a Polícia Federal e manutenção de trechos da lei de organizações criminosas são “inegociáveis” para o governo.

Hugo Motta garante que o projeto será levado para votação em plenário na próxima semana. Na prática, porém, tanto aliados do Planalto como integrantes da oposição avaliam que o prazo é inviável, diante da avalanche de divergências.

Nos bastidores, Sidônio e outros ministros comemoram o vaivém de Derrite e usam uma metáfora de futebol ao argumentar que, se antes a partida estava em 7 a 1 para os bolsonaristas, agora o jogo empatou.

“Qual o problema de voltarmos ao debate em cima do projeto original do governo sobre facção criminosa? É por ter vindo do Lula?”, provocou Lindbergh.

Para o líder do PL na Câmara, Sóstenes Cavalcante (RJ), o governo está “desesperado” porque sabe que a segurança pública será um dos principais temas da campanha de 2026.

“Nós precisamos deixar as vaidades de lado para dar uma resposta à sociedade”, afirmou Sóstenes. “É claro que queremos desgatar o governo também, mas não vamos prejudicar a segurança pública por uma questão de conceito; caso contrário, vamos continuar enxugando gelo”, admitiu.

 

 

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