15 de novembro de 2025
Politica

Ideia de que ‘agora’ é hora de se retomar o Estado de direito é absurda

Leio artigos e editoriais sugerindo que os abusos e excepcionalizações do STF já foram longe demais e que seria a hora de voltarmos à normalidade institucional. Li isto esta semana, na esteira do caso Tagliaferro, convertido em réu por denunciar coisas graves como manipulação de relatórios para punir pessoas e perseguições a cidadãos por visões políticas. Teríamos nos convertido em uma República que torna seu próprio sistema de poder imune à investigação e ao controle. E isto parece ter irritado algumas pessoas. Já havia lido algo nessa linha meses atrás, após o julgamento de Bolsonaro. Feito o julgamento, a missão salvadora do Supremo basicamente estaria cumprida e seria o caso agora de retomarmos a trilha da Constituição.

Estátua da Justiça no Supremo Tribunal Federal
Estátua da Justiça no Supremo Tribunal Federal

A pergunta que me faço é simples: em que momento alguém autorizou que nossas autoridades, ou nossos tribunais, abandonassem a trilha da lei e da normalidade institucional? A desrespeitar o juiz natural, converter a Suprema Corte em primeira instância para cidadãos comuns ou mandar tirar cidadãos da internet, em casos explícitos de censura prévia? A verdade é que muita gente autorizou. Na mídia, nos próprios editoriais, na academia. A própria ideia de que “agora” é hora de se retomar o Estado de Direito é absurda.

Uma democracia se define exatamente pelo fato de que ninguém detém o poder de definir em que momento respeitar ou não a Constituição. De modo que o apelo dessas pessoas soa inócuo. Elas aceitaram, logo ali atrás, o princípio de que um punhado de autoridades detinha este misterioso tipo de poder. E se isto era legítimo até o mês passado, por que raios isto não seria agora? Porque agora elas deveriam relaxar, descuidar das fake news, sempre mais perigosas, da democracia, sempre ameaçada pelo “fascismo eterno”, logo agora que andamos à véspera de um ano eleitoral? Porque elas deveriam desligar seu “modo militante”, seguindo o mesmíssimo princípio que todos aceitaram, alegres, até o último verão?

Quem sabe ajudasse se estas pessoas reconhecessem que a relativização das leis em nome de uma sedutora “democracia militante” sempre foi um erro. O nome elegante para o abuso de poder. Isso daria alguma credibilidade para sua crítica, mas intuo que não ajudaria muito. Criar uma lógica de exceção, em uma democracia, é relativamente fácil. Difícil é encontrar o botão que desliga o monstrinho depois.

Quem fez este alerta foi um velho sábio francês, Bertrand de Jouvenel. Em sua obra prima, “O Poder”, ele foi direto ao ponto: o poder tende a se expandir, inexoravelmente. Uma vez instituído, jamais recua.

Novos mecanismos, aparelhos, prerrogativas, exceções. Porque alguém abriria mão do poder de inventar leis e tipos penais, mandar calar, bloquear contas de jornalistas, fazer desaparecer denúncias contra si mesmo e punir, sob aplausos, seu próprio denunciante? Quem abriria mão desta “embriaguez de manejar as peças do jogo social”?. Observando o Brasil de hoje, diante do medo, da sociedade fragilizada e passiva, digo que ninguém parece ter uma boa resposta.

 

 

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