Partidos viram empresas que concentram poder e orçamento maior para 2026 que a soma de 8 ministérios
Os partidos políticos entrarão em 2026 com mais de R$ 6,4 bilhões à disposição, volume recorde desde 2017. Os cofres turbinados transformaram as siglas em organizações políticas de grande porte, capazes de movimentar bilhões em um patamar que supera o orçamento somado de oito ministérios do governo federal em 2025 e o valor de mercado conjunto de 27 companhias listadas na bolsa de valores brasileira.
Para especialistas ouvidos pelo Estadão, esse modelo concentra poder nas cúpulas partidárias, marcadas por baixa transparência e ampla autonomia para distribuir os recursos. O resultado, afirmam, é um sistema que acentua desigualdades entre as siglas, reduz o controle sobre o gasto do dinheiro público, limita a competitividade eleitoral e a renovação interna às vésperas de 2026.

Esse cenário é impulsionado pelo volume crescente de recursos públicos destinados às legendas. Em 2026, os partidos deverão manejar cerca de R$ 6,4 bilhões, somando o Fundo Partidário e o Fundo Especial de Financiamento de Campanha, conhecido como Fundo Eleitoral.
O Fundo Partidário é uma verba permanente repassada anualmente pela União e financia o funcionamento cotidiano das legendas, como pagamento de pessoal, aluguel de sedes, contratos de serviços, assessoria jurídica e manutenção de diretórios. No próximo ano, os partidos devem receber cerca de R$ 1,3 bilhão.
Já o Fundo Eleitoral é distribuído apenas no ano da eleição e foi criado em 2017 pelo Congresso para substituir as doações de empresas às campanhas. A mudança veio após o Supremo Tribunal Federal proibir, em 2015, o financiamento empresarial, decisão tomada em meio aos escândalos revelados pela Operação Lava Jato. A projeção para 2026 é que o fundo alcance cerca de R$ 5,1 bilhões.
O orçamento combinado dos dois fundos públicos supera os recursos anuais de investimento somado de oito ministérios, como Cultura, Povos Indígenas, Mulheres, Esporte e Minas e Energia, que totalizam cerca de R$ 5,8 bilhões. O montante também é superior ao lucro líquido da B3, a operadora da bolsa de valores de São Paulo, nos últimos 12 meses, que totalizou aproximadamente R$ 4,8 bilhões, e ultrapassa a soma do valor de mercado de 27 empresas listadas na própria Bolsa em novembro, que totalizam cerca de R$ 5,5 bilhões.
Os partidos também obtêm receitas extras com o dinheiro parado em conta. Em 2024, as seis siglas que mais receberam recursos dos fundos públicos registraram mais de R$ 39,7 milhões em rendimentos de aplicações financeiras, resultado do investimento das verbas do fundo partidário no mercado – mecanismo legal e previsto na legislação, mas que amplia ainda mais os recursos sob gestão partidárias.
Para o professor de Direito Eleitoral da FGV-SP Fernando Neisser, a administração desse montante crescente de dinheiro público ocorre sem critérios técnicos definidos, o que contribui para a baixa transparência dos gastos.
“Há um direito de autonomia partidária muito forte. Isso significa que os dirigentes têm ampla liberdade para decidir para quem vai o dinheiro. É uma concentração de poder dos grupos que controlam os partidos, e que poderia ser melhor disciplinada”, diz.
O Tribunal Superior Eleitoral determina apenas que cada partido estabeleça suas próprias regras de distribuição interna do Fundo Eleitoral, aprovadas pela maioria absoluta da executiva nacional e respeitando as regras de raça e gênero.
Na prática, diz Neisser, o modelo amplia a autonomia das cúpulas, fortalecendo a concentração de poder nas presidências nacionais, tesoureiros, secretários-gerais e demais dirigentes da executiva.
Esse conflito aparece também na fiscalização do uso dos recursos. Neisser descreve um embate permanente entre o TSE e os partidos sobre até onde o tribunal pode intervir. De um lado, o TSE sustenta que, por se tratar de dinheiro público, deve exigir mais transparência sobre contratos, valores e serviços. De outro, as siglas defendem que os recursos passam a integrar sua autonomia interna, sem necessidade de licitação ou procedimentos de controle.
“Não há consenso sobre até onde o TSE pode ir, o padrão de controle ainda é uma zona cinzenta”, afirma.
Além dos problemas de transparência e governança, o desenho atual do sistema impacta diretamente a disputa eleitoral. Para o professor de Ciência Política da USP Wagner Mancuso, como o fundo é dividido de acordo com o tamanho das bancadas eleitas na última eleição, as maiores siglas, como PT, PSD, PL, União Brasil, Republicanos e MDB, partem com ampla vantagem sobre os demais partidos.
“O critério reforça o poder das legendas grandes e consolidadas, criando barreiras para que partidos menores disputem em condições equivalentes”, afirma.
Mancuso destaca ainda que essa lógica se reproduz internamente. Dentro de cada partido, os candidatos mais competitivos tendem a receber fatias maiores do fundo, mesmo quando há regras formais para a distribuição. “A discrepância permanece porque a direção partidária privilegia quem já é forte, o que dificulta a renovação e a competição real”, diz.
Para a pesquisadora e doutoranda da FGV e da Yale Law School Helena Funari, a combinação entre a autonomia das cúpulas, a falta de critérios técnicos e a ausência de regras claras para a distribuição interna dos recursos impede conhecer, de forma precisa, os efeitos do fundo público sobre a democracia interna dos partidos, inclusive sobre a capacidade de renovação das siglas.
“O MDB, por exemplo, registrou no TSE um critério que prioriza a reeleição dos atuais mandatários, o que gera um viés de perpetuação dos já eleitos em detrimento do surgimento de novas lideranças”, completa.
